Inutilidade da Arte
- Maria Afonso
- há 4 dias
- 2 min de leitura
Traduzido por: Lourenço Ramos
No caminho para casa passo sempre mesmo ao lado de um outdoor gigantesco a fazer publicidade à próxima grande produção de Hollywood. Reparo que este novo é baseado num livro. Pergunto-me o que é que o autor acha. De ter as suas palavras gritadas para o mundo inteiro, mesmo que seja apenas através de um ecrã. Pergunto-me sobre as possibilidades do futuro e o quão longe me sinto daqueles que alcançaram o impensável. Ainda mais, pergunto-me se é sequer uma possibilidade. Talvez esta singularidade, esta influência e impacto, esteja reservada apenas para aqueles que nasceram diferentes, destinados à grandeza. Pergunto-me se a procura pela arte é inútil.
Sempre sonhei com algo mais. Uma vida realizada por sonhos e ambições e felicidade. Que o meu nome fosse sinónimo de grandeza e conquistas, que as minhas palavras estivessem nos corações e lábios de milhões. Isto não me torna única. No fim, apenas me torna mais humana. O desejo eterno pela arte é algo destinado a todas as almas que anseiam por ser livres. Esta oportunidade - tão escassa e acessível por poucos - de viver a vida como uma mera consequência dos próprios sentimentos é um sonho preso em tantos corações. No entanto, o seu componente comum não o torna mais acessível.
Ter coragem suficiente para seguir os próprios sonhos na arte é aceitar que o mundo não deseja o teu sucesso. A sua visão de talento e valor é destinada àqueles que já conquistaram o seu lugar. Consideram que a procura pela arte é nada mais do que um hobby, que aqueles que precisam de a estudar e aprender e treinar nunca terão sucesso. O grande problema da compreensão da "arte" é, a meu ver, a crença constante de que apenas está disponível a uns - extraordinários e bizarros - poucos. Ninguém acredita que vais ser diferente, que te vais conseguir destacar de todos os outros que desejam uma chance para mostrar o seu talento.
É possível que tenham razão, que arte não seja para todos. Simplesmente refletir acerca da singularidade dos outros não ajuda na procura da tua própria. O amor pela arte não implica necessariamente uma predisposição para fazê-la, compreendê-la e estudá-la não asseguram a capacidade de criá-la a ninguém. Então porquê segui-la? Porquê escolher o caminho complicado e nem sempre gratificante da arte?
Eu acredito que a arte tem o poder de transformar. De encontrar beleza e sentimento no nosso aspeto mais banal, de ver e compreendermo-nos uns aos outros como algo além da nossa humanidade. A arte permite-nos voar tão longe e alto quanto desejemos, libertando-nos das correntes do dia-a-dia. Poesia, literatura, música, pintura. São elas que alimentam os grandes corações famintos por paixão, que procuram ser preenchidos por todas as emoções que a vida tem para oferecer. Grandeza e reconhecimento são apenas secundárias quando comparadas à hipótese de realmente tocar alguém. A mera produção de qualquer tipo de arte carrega em si uma pureza única que jamais poderá ser igualada. Arte é amor e tristeza e desprezo e entusiasmo. Mover e ser movido. Arte é sentimento. Arte nunca poderá ser inútil.
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