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Todos os Tons do Ser Humano

Foto do escritor: Jornal O ColaJornal O Cola

Atualizado: 7 de jun. de 2023

"Todos os Tons do Ser Humano", dinamizado por Winnie Lourenço, tem como principal objetivo a consciencializar as pessoas para a desumanização que se tem verificado contra a comunidade LGBTQIA+. Este projeto procura apresentar vivencias dos integrantes desta grande comunidade através de uma colectânea de 8 textos.


Clica na imagem para veres o vídeo.



[ A ]


Invalidados, rejeitados e ignorados. Dentro de um mundo onde o amor é pregado, se não fazemos parte do grupo dominante somos colocados na berlinda e a nossa existência é questionada até a morte.

Nós somos o tom preto que quebra as barreiras da normatividade. Não é querer a todo o custo fugir do comum, mas é um querer ser como somos sem sermos julgados por tal.

Prazer, luxúria, desejo. A trindade dominante numa sociedade hipersexual em que basta pôr um pé fora desse domínio e viramos alvos de piadas. Alguns de nós são o cinza que transita, por vezes, no limiar dos desejos. Sentir e não sentir não torna alguém menos humano. São Humanos tal como a pessoa que não se identifica da mesma forma.

Afeto, amor, conexão. O que todos dizem preferir numa relação, mas acham umabsurdo haver alguém que só queira isso.

Outros são o tom branco que incendeia o corpo, queimando o combustível da existência e criando uma faísca que incandescia o corpo deixando-o finalmente eletrizado para viver até ao limite, esquecendo os medos nem que seja por poucos segundos. Poucos segundos que sabem como a vida. Segundos suficientes para criar memorias incríveis para sorrir uma vez mais até ao momento de fechar os olhos.

Não, não é a falta de encontrar a pessoa certa, não é por nos terem maltratado ou por sermos muito ingénuos e não termos descoberto ainda as tais “belas virtudes da vida”. Mas é ter a consciência daquilo que somos sem receios. É errado não sentir atração sexual por alguém mesmo que a ame? Ou só sentir a atração depois de um estado avançado de intimidade? Não, não somos um caso básico de não querermos nos envolver com alguém só por não estarmos com vontade. Não nos tentem comparar a uma vivência alheia para explicar os vossos julgamentos.

Nós somos o roxo que traz a esperança, que nos faz acreditar que a humanidade pode mudar e abrir os braços a quem não é igual a si. Esperança por uma humanidade mais recetiva que não nos vai sufocar dentro das suas próprias crenças e preconceitos estabelecidos num tempo em que o conhecimento era escasso e a invalidação a saída mais rápida.

Dentro do nosso meio somos invisibilizados e fora dele somos atacados pelo preconceito letal devido uma superioridade venenosa. No entanto, continuaremos a lutar pelo nosso lugar na sociedade. Vamos continuar a sorrir, aviver e a amar até ao limite porque nada é mais bonito do que uma conexão valiosa.


O amor sim é o mais importante.


Winnie Lourenço




[ P ]


O vento ia contra o seu rosto que, devido ao frio do inverno, adquiria um tom rosado que contrastava com a sua pele pálida e delicada.


A sua aura era amarela e os seus gostos universais; o coração que ouvia alegremente palpitava ao ritmo da melodia mais agitada, enquanto os seus olhosobservavam as ondas sonoras dos seus sentimentos.


Suspiros agonizados escapam pelos lábios, entreabertos e ressecados, que devidoà vontade de gritar todas as suas angústias, percorria a sua pele com as unhas numa tentativa inútil de descascar a camada azul que havia em si.


“Estou a perder a minha sanidade ou apenas estou no limiar da humanidade?`”, era a questão que martelava constantemente na sua consciência enquanto as lágrimas manchavam as suas feições, como as cores vivas de uma aquarela, que ilustravam no seu rosto as emoções, por vezes vazias e por vezes complexas, da sua alma.


Os ossos do seu corpo tremiam e os músculos da sua face curvaram-se exibindo um sorriso no meio de tanta dor. O seu ser sentia-se aliviado devido à prova de que não importa o quanto nos querem destruir, não podem mudar o que somos, pois, sendo Humanos, tornamo-nos perfeitos nas nossas imperfeições.


A sua cor era azul, porém, o rosa da sua essência e o amarelo do coração não escondiam a sua forma de amar, independentemente das vertentes que constituem o nosso corpo, originalmente idealizado como um simples objeto pela mente humana.



Winnie Lourenço


[ T ]


Fecha os olhos, respira fundo e imagina comigo aquilo que alguém próximo a ti vivencia todos os dias.

Estás a andar, em passos lentos e com o receio até de respirar, porque aparentemente nem isso podes fazer, por isso, respira bem devagar, como se estivesses a sufocar. De repente, chegas a tua escola e olhas à volta, os barulhos das crianças animadas são abafados pela tua mente e os olhares que te dão são repressores. Agora engole em seco e respira profundamente, tentando encher osteus pulmões com o máximo de oxigénio que consegues e põe um sorriso no teu rosto enquanto andas. Vais ter com os teus amigos, os verdadeiros, não os falsos que falam mal de ti nas tuas costas, e abraças cada um com força. Sentes isto? Estás a ser reconfortado com a ausência de palavras, não é bom?

O sino toca e tu vais para a sala, sentas-te na cadeira e passas as mãos pela tua roupa devagar, num movimento perfeito porque tens a insegurança de amarrotar a tua saia nova. A aula começa, conversas paralelas por todos os lugares, a chamada é iniciada e ao ouvires um nome masculino sair pelos lábios do teu professor, tu levantas o braço e dizes… “Presente”, o que provoca uma grande agitação na turma e um papel atinge a tua cabeça. Tu olhas pelos lados tentando descobrir quem foi, mas apenas ouves um riso disfarçado enquanto o professor aparenta estar alheio aos teus problemas, como sempre. A tua respiração trava e sentes-te a ficar com náuseas. Estás a sentir isso? É o pânico que se começa a instalar pelo teu corpo.

O horário da aula termina, mas agora terás educação física, a pior parte dos teus dias, tu sabes que estás com medo, mas finges estar tudo bem. Caminhas para as casas de banho, pois evitas sempre os balneários, e esperas que o horário do intervalo termine para poderes entrar finalmente, sem teres algum receio. Olhas para as portas e a identificação que há em cada uma, masculino e feminino.

Naquele momento tu estás agoniada e já não sabes se vais para o que a sociedadequer ou para o que tu queres.

Sentes os teus olhos ficarem marejados e tu soluças, não conseguiste conter as lágrimas. Numa decisão precipitada entras na casa de banho masculina, aonde tu, aos olhos de muitos, supostamente pertencias, mas tu, naquele momento, sabes que não pertences a lado nenhum.

Estás na rua agora e parece que tudo mudou, as pessoas, os edifícios, os carros e até mesmo os animais estão divididos em duas cores, rosa e azul. Mas, tu vês queno meio disso tudo, há uma estrada pintada de branco e é por lá que tu caminhas, no meio de ambas as cores. Desfilas de cabeça erguida rebelando-te contra todos os olhares de desgosto que algumas pessoas de ambos os lados te davam. Pois, no final de tudo, tu não te defines por uma cor ou por um sexo, mas sim pela tua identidade.

Abre os olhos e para de imaginar, tu viste bem isto? Como é estar na pele de outro ser humano que é considerado um doente só por causa da sua identidade?Muda isso, para de odiar, para de contribuir no julgamento alheio em que as suas cabeças são julgadas por um crime inexistente.


Eles são humanos e não há nada que possa mudar isso.


Winnie Lourenço



[ B ]

A vida é um livro maltratado pela dor, em que o seu interior permanecia imaculado.

Noite estrelada, sombria e com o vento a baloiçar os galhos das árvores, demonstrando a sua compaixão pela indignação que eu sentia. Com as costas contra o colchão macio e o olhar focado no teto, os auriculares que estavam nos meus ouvidos expunham uma música alta de modo a abafar os meus próprios pensamentos.

Suspiros escapavam pelos meus lábios e inspiro profundamente de seguida, “um… dois… acalma-te, não te deixes dominar” era o que repetia a mim mesma como um mantra que me iria livrar da minha existência, das minhas próprias questões.

O que faz de nós um ser humano? Era a questão que martelava a minha cabeça incessantemente, a fim de encontrar um abrigo no meu ser avassalador e dramático. Fecho os olhos e distraio-me de tudo ao meu redor, um sorriso surgenas minhas feições, como o lampejo de uma esperança que estava a renascer. O que é o amor? Desde cedo que somos ensinados a amar o próximo, a nossa família e amigos, contudo, à medida que vamos crescendo e expandindo a nossaconceção sobre o amor, começamos a ser odiados e massacrados por representações mudas de ignorância.

Eu sou uma mulher e gosto de homens; o azul que existe em mim alastra-se pelo meu corpo e cria os mais belos traços que o ser humano nunca poderia recriar na sua vida. O meu coração bate rápido cada vez que a tonalidade, que preenche parte do meu corpo, fica mais intensa, mais forte.

Eu não sou uma diversão.


Eu sou uma mulher e eu também gosto de mulheres; o rosa que tenho em mim faz o meu corpo a tela para a sua própria aquarela, o amor é intenso e os sentimentos são enigmáticos e inexplicáveis.

Eu não estou confusa.


Eu sou uma mulher e gosto de todos os outros géneros existentes; a minha aura é o roxo mais bonito e vibrante, o brilho no meu olhar nunca será apagado por uma sociedade retrógrada. Não me prendo por correntes de ignorância e exclusão, aceitando que o meu amor não é apenas pela alma feminina e masculina e que ele chega a todas as pessoas não binárias também. A personificação de um sentimento que ultrapassa as questões de géneros que estão instalados nas nossas vidas, em que eu tenho a certeza de que eu não sou apenas uma fase, eu sou uma humana que não se importa com nada mais do que alcançar este sentimento que para alguns tem de ser limitado.


Olha para os meus olhos e diz-me o que vês.


Eu olho para os meus olhos pelo espelho e vejo o meu futuro, vejo aquilo que sou após tantos problemas ultrapassados. Vejo os meus sentimentos que serpenteiam pela minha íris e demonstram, isentos de palavras, tudo o que eu sinto e não consigo proferir. Eu vejo nos meus olhos o amor… o amor colorido que ultrapassa os laços sanguíneos, géneros ou o quer que seja, apenas o sentimento na sua forma crua e bruta.


O que vês nos teus olhos?


Ódio?... ou Amor?


Winnie Lourenço




[ G ]


A vida é igual a música, ou talvez é um dos casos clássicos em que a arte imita a vida. Até mesmo nas suas imperfeições, no compasso desmarcado, no ritmo perdido, mas na melodia correta que quase deixamos escapar. Talvez quando ando, apenas sigo as cifras da música que o meu próprio coração compõe, misturando-se com os diversos tons de azul existentes. Quando eu durmo, é como se estivessem a apertar sem dó na mesma tecla do piano e, ao viver plenamente, oh… quando eu vivo, a minha partitura está a ser descoberta, escrita, apagada e refeita. Tudo se torna no branco que traz a calma aos meus momentos de desassossego.

Se a vida é uma música então o amor é a melodia. Aquilo que traz o brilho no olhar e que torna a minha arte magnífica. No entanto, nem todos escolhem amar, preferindo odiar quem nada fez a não ser criar uma melodia com outro semelhante.

Eu tento continuar a viver em paz, mas eles tentam parar-me. Eu tento vestir-me como quero, mas eles mandam-me ser homem. Mas mesmo se fosse da minha vontade ser como eles, nunca seria o suficiente. Eles manifestam uma frágil presença e uma musicalidade tóxica que me envenena. Tudo porque esquecem que a roupas não têm gênero, ou porque não é por parecer padrão, ou não, que não posso mais amar quem eu quero, porque aos seus olhos ou eu vivo dentro da sua caixinha ou eu não mereço sequer viver. Eles tentam rasgar a minha partitura enquanto insultam-me e maltratam-me, devido ao seu ódio. Ódio que nos mata. As minhas notas musicais se compadecem quando o meu destino está tenebroso, mas também me recordam que eu sou Humano tal como todos que me aceitam e rejeitam e, por isso, eu também mereço ser feliz e viver. Os homens são a causa dos desvaneios que me fazem almejar ter uma partitura sinestésica em que a música dança ao som das mais belas cores. Winnie Lourenço





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