Por Tiago Correia Editado por Matilde Mala
Atualmente, conhecemos o Pride como um movimento associado ao mês de junho. O mês da luta pela emancipação LGBTQ+, em que decorre a muito notória e internacional Pride Parade. Durante o mês, numa tentativa de apelar à comunidade LGBTQ+ e a quem simpatiza com a mesma, por todo o lado se vêem produtos com as cores do arco-íris. A falta de convicção associada a este tipo de ações por parte das grandes empresas é palpável quando reparamos na celeridade na remoção deste tipo de produtos, caso não sejam rentáveis ou produzam controvérsia. O chamado rainbow washing (1). Ao findar o mês, tornam a arrancar os arco-íris e a desvelar os casos de abuso interno aos seus empregados queer, até junho do ano seguinte.
Esta conjuntura ilustra, em grande parte, o caráter do Pride atual: contido, capitalizado e institucionalizado. É permitido existir, contando que sirva o capital e não questione o sistema discriminatório em que existe. Mas, na verdade, as comunidades que o Pride representa são mantidas de forma marginalizada, em conflito umas com as outras e com os demais grupos sociais hegemónicos que os acusam de “degradação moral”, tendo apenas a parafernália anual do Orgulho como solução – efetivamente insuficiente – para a sua subjugação. A falta de interseccionalidade entre as identidades e minorias afetadas pelo reacionarismo, o preconceito estrutural e a contenção pela comercialização do Pride produziram um terreno fértil para o avanço do reacionarismo, sem grande oposição. As lutas divisivas entre as diferentes identidades sociais, raciais, sexuais e de género comprometeram o seu objetivo comum face à luta contra o reacionarismo: a libertação total.
Na realidade, a natureza do Pride e da queerness é transgressiva. O primeiro Pride foi, de facto, um motim. A Rebelião de Stonewall, que originou o Pride como o conhecemos hoje, foi um conjunto de motins começados a 28 de junho de 1969 no bar Stonewall Inn em Nova Iorque. As forças policiais, como muitas vezes haviam feito antes, aproveitaram leis de vestuário impostas por determinados estados como pretexto para atacar negócios com clientela transgénero e com inconformidade de género. No entanto, desta vez foi diferente: tiveram resposta. O que se seguiu foram cinco dias de protestos que solidificaram a luta LBGT+ contra a repressão chauvinista e elevaram os acontecimentos em Stonewall a um nível quase mítico. Diversas contradições entre relatos da noite da revolta tornam difícil a construção de uma narrativa fiel à realidade do dia em questão, mas o seu legado permanece (2). No primeiro aniversário de Stonewall, deu-se a primeira marcha Pride do Stonewall Inn, de Greenwich Village até ao Central Park. Cinquenta anos depois, o Pride Month tornou-se numa celebração anual e global da cultura LBGTQ+, repleta de festas, eventos culturais, clubes e organizações e rainbow washing ou capitalism (3).
A existência queer é historicamente oprimida e ilegalizada. Qualquer ação que questionasse a hegemonia heteronormativa e branca sempre foi algo de cariz revolucionário. Ser queer é algo transgressivo em si. Não obstante, assistimos a uma evolução do Pride que o castrou de qualquer radicalização. Foi institucionalizado como um período festivo, capitalizado na forma de produtos e experiências alusivas – o orgulho queer, outrora revolucionário, foi expropriado da sua transgressão e transformação e foi substituído por uma bandeira arco-íris. Em vez de existir fora do sistema e o irromper, o orgulho foi corrompido a tomar um lugar reformista e mercantilizado dentro do sistema. Eventualmente, mesmo o reformismo que possibilitava os avanços sociais feitos pelo Pride esgotou-se e assistimos ao ressurgimento reacionário. Cotidianamente, são aprovadas medidas que ativamente perseguem a comunidade LGBTQ+. Embora se tenha avançado substancialmente em termos de direitos homossexuais, a maior parte da comunidade transgénero e género-inconforme não tem representação e é atacada burocraticamente diariamente. Leis que dificultam a transição de género, negação de cuidados de saúde a indivídues transgénero (apesar de estar comprovado medicamente que diminuem significativamente a taxa de mortalidade e de suicídio de indivídues trans), divisões restritivas nas casas de banho e afins são questões observadas diariamente. O reacionarismo constantemente questiona e ilegaliza a existência trans.
Deverá o Pride voltar ao radicalismo e rejeitar o arco-íris? Esgotou-se a sua transformação dentro do reformismo possibilitado? Deverá o Pride voltar a ser uma ameaça, outra vez?
(1) The act of using or adding rainbow colours and/or imagery to advertising, apparel, accessories, landmarks, et cetera, in order to indicate progressive support for LGBTQ+ equality (and earn consumer credibility)–but with a minimum of effort or pragmatic result. (thisisgendered.org.com)
(2) Housman |, Patty. 2022. “The First Pride Was a Riot: The Origins of Pride Month.” American University. June 10, 2022. https://www.american.edu/cas/news/the-first-pride-was-a-riot.cfm; Johnson, George M. 2023. “Pride Month Started as a Riot – and We Can’t Afford to Stop Fighting Now.” Andscape. June 13, 2023. https://andscape.com/features/pride-month-started-as-a-riot/.
(3) Ibid.
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