De Carolina Franco
Traduzido por: Mariana Faísca
Ele olha a partir do cimo das escadas da entrada da sua casa demasiado cara. As paredes brancas, geralmente agonizantes, têm finalmente algo a cobri-las, embora a imagem parecesse demasiado mórbida para ser apreciada - não é como ele se importasse. Vermelho floresceu por toda a mobília, espalhando-se como fogo-vivo. Ele sabe que, em teoria, deveria ter medo, mas não sente nada.
A sua pequena mão segura o corrimão, não chegando bem ao topo, sentindo a madeira a vincar a sua palma. Ele conseguia sentir o anel de dinossauro, que recebera no menu infantil de um restaurante de fast-food, a cravar-se no seu dedo. Ele ignora o cheiro pútrido que se espalha pela casa, muito provavelmente vindo da carne podre de todos os restos mortais que se encontram em cada metro quadrado da entrada, prova de que a imortalidade está reservada para os deuses.
O silêncio é ensurdecedor, berrando silenciosamente nos seus ouvidos, sendo ocasionalmente quebrado pelo som gotejante vindo de um armário deslocado no canto. Toda a gente ia constantemente contra ele, deixando para trás apenas nódoas negras formadas nas suas ancas, mas nunca ninguém tinha realmente tentado movê-lo.
Bem, agora é tarde demais.
Ele conseguia sentir a persistência da morte na sua língua e abraçava-a como um gelado num dia quente, deixando-a entrar na sua corrente sanguínea e enchendo-o de êxtase. Passando a língua pelos seus dentes, ele conseguia saborear a doce acidez do sangue que os manchava. Ele não se lembrava do sangue deles ir lá parar. Será que era dele?
Uma voz delicada soa vindo da sua esquerda, escorregando suavemente pelos seus ossos.
«Não faz mal,» disse. «Fizeste bem.»
Ele acolhe o conforto, querendo apoiar-se nele. Porém, foca-se em descer cada degrau, com medo de escorregar nas poças de sangue que estão a seus pés. Uma segunda voz junta-se, como o habitual. Elas vêm sempre juntas, desesperadas para serem ouvidas, mesmo que não passem de sussurros no vento.
«Devias ter sido mais inteligente acerca disto.» Ele não gosta do quão preconceituosa a voz soa. «Vamos ser apanhados e mandados para o reformatório. É isso que queres?»
«Porque é que importa aquilo que ele deveria ter feito? Já acabou, deixa-o.» Elas pareciam um anjo e um demónio, cada um no seu ombro. A diferença é que ambas não querem saber do parricídio que ele acabou de cometer. Se tanto, elas eram o seu lado lógico e emocional a lutar pelo poder.
Quando acaba de descer o lance de escadas, ele salta pelo meio de membros posicionados de maneira desajeitada e cobertos por uma quantidade desconfortável de líquidos irreconhecíveis. Ao pisar o cabelo da irmã, ele pede desculpa interiormente. Não é como se ela se pudesse queixar.
Ele senta-se no sofá branco, agarrando o comando da TV, sem olhar duas vezes para a mancha ensanguentada em forma de mão que deixou para trás. Os seus chinelos em forma de cão, que lhe eram demasiado grandes, caem no tapete ao se sentar de pernas cruzadas, enquanto liga a TV no seu canal favorito.
Passou demasiado tempo.
«Agente Evans, a responder do local.» Passos soam atrás dele, mas os seus olhos nunca se desviam do desenho animado que está a passar no ecrã.
«Eles estão aqui,» o seu demónio pessoal grita, a personagem principal dos seus sonhos cobertos de carmesim. «Eles vão levar-nos!»
«Alguém está vivo,» o agente afirma, mais próximo. «Ei, amigo. Estás-» ele para.
O rapaz finalmente olha para cima, os seus grandes olhos incansáveis. Talvez fosse o sangue, mas nenhum deles proferiu mais uma palavra.
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