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Quem Estuda Quer Casa

Foto do escritor: Jornal O ColaJornal O Cola
Por Beatriz Lourenço
Editado por Rosana Sousa

Passado um mês do debate «Geração Sem Casa», potenciado pelo movimento Habitação de Abril, no qual O Cola teve o prazer de estar presente, o que podemos dizer da problemática da crise habitacional juvenil?


Fotografia de Movimento Habitação de Abril


O movimento Habitação de Abril, cujo manifesto foi, inclusive, subscrito pel’O Cola, é um movimento apartidário criado por alunos do Ensino Superior que visa chamar à atenção para a crise habitacional que se vive em Portugal: «a escassez de habitação acessível afeta não só os estudantes deslocados, mas também os jovens que aspiram a ser independentes», pode ler-se no manifesto. No total, e à data de publicação deste artigo, esta luta, que é de todos, contava já com 52 subscritores, dos quais duas federações académicas, 14 associações de estudantes, 21 núcleos de estudantes e 16 outros movimentos cívicos.


Foi sob o mote «Geração Sem Casa» que, na véspera do Dia da Liberdade, se encheu o Anfiteatro II da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (doravante FLUL), com um debate que marcava o início de um protesto que viria a durar pela noite fora. O debate, moderado por Rúben Felizardo, membro da direção do Conselho Nacional de Juventude[1], contou ainda com a participação de Patrícia Gonçalves (Livre), Miguel Costa Matos (PS), Alma Rivera (PCP), Patrícia Gilvaz (IL), Rodrigo Machado (BE), Eric Habibo (PSD) e António Morgado (PAN).


A sessão foi aberta por Vítor Mendonça, com a leitura do manifesto, recebido pelos presentes com aplausos, e com as intervenções de Diogo Martinho, Presidente da Associação Académica de Lisboa, e de José Afonso Garcia, co-fundador do movimento e Presidente da Associação Académica da Universidade de Lisboa. De seguida, arrancou o debate, que se dividiu, essencialmente, em duas partes, coincidentes com as questões de Rúben Felizardo: na primeira, falou-se acerca do 25 de abril de 1974 e do caminho até aqui percorrido no que à habitação e a emancipação dos jovens diz respeito, afinal, como Eric Habibo viria a dizer na sua primeira intervenção «não há emancipação sem habitação»; na segunda, debateu-se o futuro, nomeadamente as propostas para solucionar este problema, como é o caso do pacote Mais Habitação.


Nesta primeira intervenção, falou-se de parque público habitacional e da escassez do mesmo, de políticas habitacionais que não foram bem-sucedidas e de outras, como a de Jorge Sampaio nos anos 90, que o foram. Da esquerda à direita, todos concordaram que a falta de habitação era um problema, ao qual atribuíram diversas justificações, como políticas habitacionais que são apenas remendos e não soluções a longo prazo, diz Patrícia Gilvaz, e para o qual apresentaram algumas possíveis soluções, desde as parcerias público-privadas, sugeridas por Miguel Costa Matos e mencionadas também por Eric Habibo, à reabilitação de imóveis degradados ou com poucas condições, como notado por Patrícia Gonçalves. A primeira ronda de respostas teve ainda espaço para algumas farpas ao governo, com três dos oradores, Rodrigo Machado, Eric Habibo e Patrícia Gonçalves, a dirigir perguntas ao representante do PS, mas, no fundo, cada um acabou por «puxar a brasa à sua sardinha», apresentando e reforçando a linha de pensamento do partido que representam e que qualquer um poderia já ter visto nos seus programas eleitorais.


Já na segunda parte, os ânimos agitaram-se e as dicotomias esquerda versus direita começam a ser postas em cima da mesa, em especial por Patrícia Gilvaz, que dá à esquerda «a novidade» de que o problema não se solucionará com o fim dos vistos gold ou com a nacionalização do parque habitacional, mas sim com a construção e/ou descentralização, e por Rodrigo Machado, que acusa a direita de, na hora da verdade, votar contra as medidas apresentadas. É ainda de destacar a intervenção de Alma Rivera, que ataca o mercado e o seu funcionamento e menciona que «a especulação é o direito a ter casa vazia sobre o direito à habitação», sob uma onda de aplausos. Por sua vez, Eric Habibo volta a criticar, como já tinha feito no ponto anterior, a falta de capacidade executiva dos órgãos governativos, afirmando que não basta publicar medidas, há que as fazer cumprir, enquanto Miguel Costa Matos volta, também, a retomar a sua resposta anterior e a falar da importância de mobilizar todos, direita e esquerda, público e privado, para solucionar esta crise. No final, intervêm António Morgado, que chama a atenção para a importância, também, da sustentabilidade e da reabilitação, já que não há necessidade de construir mais e gastar mais recursos, e Patrícia Gonçalves, que afirma que é impossível construir cidades sem habitação acessível e digna e sem habitantes dos mais diversos rendimentos, sob pena de se criarem bairros sociais que acabam por contribuir ainda mais para as desigualdades e estereótipos já existentes.


Terminada esta ronda de respostas, que Alma Rivera abandona a meio e que conclui com Patrícia Gilvaz a encolher os ombros quando a informam de que está a ser interpelada pela representante do Livre, termina também a sessão, de forma um pouco atabalhoada, por questões de falta de tempo. Fica a faltar, no fundo, a parte mais importante: a partilha de ideias, a resposta às perguntas dos alunos, o diálogo entre a mesa e, por mais surpreendente que seja, o respeito entre oradores, que não resistiram, várias vezes, ao vício do telemóvel enquanto os seus pares intervinham. No fundo, e como o representante do PSD viria a dizer mais tarde, em conversa com O Cola, «isto de debate teve muito pouco», já que cada um dos oradores traz já a sua posição fechada e as restrições de tempo, logística e as posturas de cada um não permitiram outro resultado.


Já nos corredores da FLUL, O Cola teve a oportunidade de interpelar os vários oradores da sessão, colocando-lhes pelo menos uma das seguintes questões[2]:

Em Lisboa, há quartos de 6m2 arrendados por 400€/mês e são incontáveis as situações de arrendamento sem contrato, já que os proprietários exigem rendas ainda mais altas para tal. Até quando será o lucro dos proprietários mais importante do que o direito à habitação dos estudantes?

Face a esta pergunta, Miguel Costa Matos e António Morgado chamam a atenção para a existência de uma plataforma que pode auxiliar as pessoas na formalização do seu contrato, quer da parte do senhorio, quer da parte do arrendatário, embora esta última não esteja ainda concretizada. O representante do PAN vai ainda mais longe, dizendo que é necessário que se altere a lei no que diz respeito aos contratos de curta duração, por exemplo através da diminuição dos impostos. O Colafalou ainda com Patrícia Gonçalves, que destaca a importância da denúncia, sugerindo inclusive a existência de um «balcão de habitação», e com Eric Habibo, que considera que o problema é estrutural e reside, principalmente, na escassa oferta habitacional para os estudantes, que poderia ser resolvida com a reabilitação de fogos devolutos e com maior oferta pública.


No texto introdutório do PNAES, Plano Nacional Para o Alojamento no Ensino Superior, Manuel Heitor, ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, afirma o plano de criar mais 12 mil camas em residências universitárias entre 2019 e 2022. Devido à pandemia, tal não foi possível e esta promessa foi adiada para 2022-2026. Desde 2016, entre dez a vinte mil novos alunos têm dado entrada no Ensino Superior. Como é que se continua a adiar a urgência de fazer cumprir o PNAES?

Interpelado pel’O Cola, Rodrigo Machado afirma que o cumprimento do PNAES não deveria nunca ter sido adiado, face à sua urgência, aproveitando ainda para criticar o governo e a sua capacidade, ou falta dela, para cumprir promessas. Também Patrícia Gilvaz faz a mesma crítica, afirmando que a construção de novas residências é «uma necessidade latente» e que é preciso pressionar os órgãos governativos. António Morgado, por sua vez, aponta para a necessidade de fiscalizar a execução das medidas, já que crê que o problema passa, também, por aí. Já o representante do PSD opta por uma abordagem mais simples, ainda que mais radical: «a solução é mudar o governo».

Um mês depois, contudo, a crise habitacional já não está nas bocas do mundo e parece já não preocupar tanto os nossos governantes, quando comparada às questões da TAP ou de João Galamba. O problema, contudo, persiste e foi nesse sentido que O Cola entrou em contacto com os fundadores do movimento Habitação de Abril, Beatriz Mestre, Vítor Hugo Mendonça, José Afonso Garcia e Vítor Fernandes, que nos responderam a algumas questões acerca do balanço que fazem do debate e do que o futuro ainda reserva para o movimento.


O Cola (OC): Passado um mês, e tendo também tido oportunidade para ouvir o feedback dos estudantes, qual é a opinião dos fundadores do movimento em relação ao debate? Quais eram as vossas expectativas e de que forma é que se concretizaram, ou não?

Movimento Habitação de Abril (MHA): Depois de um mês bastante precioso para refletir e meditar acerca do debate que organizámos na FLUL, o balanço que fazemos é geralmente positivo: o debate de ideias é algo fundamental quando lidamos com qualquer problemática social, mas não significa que não exista espaço - e muito espaço - para expandir o projeto de debates sobre a habitação no futuro. A nossa expectativa passava, em grande parte, por um debate rico em ideias, em que fossem apresentadas soluções úteis e exequíveis e se sentisse algum tipo de apoio dos grupos partidários intervenientes; o que vivemos, porém, foi uma grande sessão de pancadaria partidária, que desaguou num discurso vazio e sem apresentação de soluções concretas. Mesmo que alguns dos intervenientes tenham feito muito bons diagnósticos da problemática atual, a verdade é que não nos sentimos apoiados e ouvidos o suficiente. A nossa ambição, em eventos futuros, será trazer convidados especialistas na área e com um conhecimento técnico mais relevante, de modo a enriquecer a possibilidade de alcançar soluções que melhorem a qualidade de vida dos estudantes.

OC: Tendo plena consciência de que o problema habitacional não é recente, nem será resolvido num piscar de olhos, o que é que o futuro reserva à Habitação de Abril? Quais são os próximos passos?

MHA: Tendo sempre presente que a crise habitacional é um problema estrutural e que requer soluções concretas a longo prazo, é crucial continuar a trabalhar para alcançar os nossos objetivos políticos e associativos. Assim sendo, o nosso futuro passará pela continuidade da nossa luta e da pressão aos dirigentes políticos que não nos ouvem e não respeitam a batalha que travamos. O próximo passo para o Habitação de Abril será continuar a pressionar a sociedade civil para que enfatize esta problemática que tanto nos aflige, sempre com a irreverência estudantil que nos é característica e dinamizando mais ações de protesto que evoquem o espírito de Abril e das Crises Académicas.


Entretanto, mais um ano letivo se aproxima do fim, e podemos facilmente contar com vinte mil novas entradas no ensino superior já em setembro de 2023. Haverá cama para os próximos? Ou montaremos de novo a tenda na Alameda da Universidade?


Fotografia de Movimento Habitação Abril

[1] O Conselho Nacional de Juventude foi criado em 1985 e é «a plataforma representativa das organizações da juventude no âmbito nacional, abrangendo as mais diversas expressões do associativismo juvenil». Mais informações em https://www.cnj.pt/#. [2] As perguntas foram colocadas consoante a disponibilidade dos oradores. Tendo o contacto ocorrido após o debate, alguns deles estavam já de saída, razão pela qual responderam apenas a uma pergunta. A representante do PCP, Alma Rivera, não respondeu a qualquer questão, uma vez que abandonou o debate antes da conclusão do mesmo.

 
 
 

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