Por Mariana Raminhos
Editado por António Santos
Pelas ruas ecoam os gritos pela liberdade, as casas contam histórias e os cravos vermelhos dão cor à cidade. A celebração do 25 de abril relembra a força de um povo que claramente já não é o mesmo. De certa maneira, aquilo que foi semeado acabou por apodrecer e resta à juventude reescrever o conceito de democracia. Esta responsabilidade recai sobre nós pelo facto de nos apelidarem de “futuro”, embora sejam poucos os licenciados que pretendem permanecer no país.
A nacionalidade portuguesa passou a ser sinónimo de passaporte europeu, resultando na fuga de jovens trabalhadores que apenas desejam uma vida melhor. Desta maneira, fica impossibilitado qualquer tipo de julgamento, uma vez que o único responsável por estes acontecimentos é o próprio país que não criou condições, mas sim impedimentos. O estudante comum, não só batalha contra si mesmo para não desistir de um sistema educacional antiquado, como também presencia um custo de vida elevado. Para além disso, devido à inexistência de direitos que salvaguardam os nossos interesses e as lutas criadas a favor da implementação sobre os mesmos, a memória de um país revolucionário fica apenas no passado. É também curioso refletir como é que estes problemas se tornaram constantes ao longo das décadas e as discussões se resumiram a quem é que, no espectro político, tinha razão, enquanto a busca pelas soluções permaneceu estagnada. Até que o português conformista decidiu finalmente levantar-se do sofá e ir às manifestações contra a subida dos preços, lutar por salários mais justos e reivindicar o direito à habitação.
Evidentemente surge hoje uma vontade de voltar às origens, isto é, há uma tentativa de refazer o 25 de abril. A essência de uma nação é sublinhada na contestação geral sobre um determinado assunto, até mesmo em relação ao futebol. Por outras palavras, a construção de uma comunidade considerada democrática baseia-se na discórdia também. Dito isto, permitam-me agora criar algum atrito nesta sociedade tradicionalmente portuguesa, onde à cultura não lhe é dado um papel fulcral. Que espécie de identidade queremos criar sem espaço para a expressão artística nas suas variadas formas? É impossível pensar nos cravos sem ter a voz de Zeca Afonso a sussurrar “Grândola, Vila Morena”. A realidade é que são estes pequenos objetos de arte que definem e relembram os momentos mais brilhantes e cruciais da nossa existência, porque, sem estes, a emoção que muitos de nós sentimos não poderia ser expressa de uma maneira tão intensa quanto esta.
A luta pelos direitos em que cada um de nós acredita depende única e exclusivamente da sede por mudança, seja ela qual for. Viver sem discórdia é o caminho mais rápido para a ditadura, pois apenas a diversidade é o fator essencial para a democracia e, sem essa, abril de 1974 de nada nos teria servido.
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