Por Mariana Faísca
Traduzido por Leonor Gomes
Estou neste parque há 300 anos, mais ou menos. A ver pessoas que passeiam os cães, crianças que brincam nos baloiços. O mundo tornou-se banal, desprovido de momentos de entusiasmo. Às vezes, havia ocorrências divertidas, como um cão que enganava o dono e o atirava para o charco. Fora isso, assistir às pessoas fazerem as suas vidas quando já não se tem pernas torna-se um pouco aborrecido depois dos primeiros 100 anos.
Hoje não prometia ser diferente. Cães, crianças, mães com os bebés em carrinhos e os seus cafés caros. O habitual. Foi quando ouvi uma leve risada vinda de um dos bancos diante de mim. Elas pareciam tão despreocupadas e confortáveis uma com a outra. Quem me dera poder experimentar isso novamente.
As raparigas estenderam uma manta xadrez cor-de-rosa na relva e vários petiscos em cima: morangos cobertos de chocolate, batatas fritas, sandes. A morena de cabelos curtos, mais alta, e o seu par tocam as mãos por acidente, o espaço entre elas desaparecendo lentamente. A loira e mais pálida corou. Eu agitei minhas folhas de antecipação.
"D-desculpa... Foi sem querer-"
"Oh, tudo bem. Perfeitamente bem." Disse a rapariga com um largo sorriso. Mantiveram o contacto visual por uns segundos e separaram as mãos bruscamente. Eu libertei toda a tensão que não sabia ter estado a segurar, os meus ramos afrouxaram.
A minha atenção começou a canalizar-se para a natureza que me rodeia. Abelhas pousando em margaridas, a erva ainda molhada do orvalho matinal. Tentei espantar o esquilo que me tentava trepar, receando que isso perturbasse a família de pássaros que vive num dos meus ramos, faz já algumas semanas. Consegui sentir cada centímetro deste parque pelas minhas provectas raízes, e descrevê-lo com os olhos fechados. Se ao menos eu pudesse fechá-los.
A minha vida mudou por completo quando pisei este lugar há três séculos atrás. Desde que me lembrava, tudo me tinha sido servido em bandeja de prata. Nascer numa família rica trouxera-me muitas coisas, sendo o meu terrível ego uma delas. Eu era o centro das atenções em todos os sítios que frequentava – nos teatros, nos bailes, nas corridas. Desde criança que participava em todas as corridas que se realizavam na cidade, assistindo aos cavalos galoparem cortando o vento, focados na meta. Volvidos uns anos, era eu que estava sentado em cima de um cavalo – Lucky –, olhando para a linha vermelha, tenuamente desenhada no chão. Quando o som do tiro ecoou pelo campo, Lucky começou a galopar o mais rápido que podia, deixando todos os outros concorrentes para trás. Tínhamos vencido as últimas quatro corridas, então por que haveria de ser diferente daquela vez?
Aconteceu tudo tão rápido. O tropeço, o pânico, a queda. Crac. Se eu tivesse mantido os olhos na linha de chegada e não no público a torcer por mim, nada daquilo teria acontecido. O meu ego inchado. Agora não sou mais que uma árvore.
Os meus pensamentos foram interrompidos por um arranhão que senti no meu lado esquerdo. As duas raparigas que tinham estado a comer estavam agora de pé diante de mim, rindo-se. Os arranhões continuaram. Logo depois, saíram de mãos dadas.
Escavadas em mim ficaram as iniciais C+B, com um coração abraçando-as.
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