Editado por: Catarina Casal
Sinto conforto quando me lembro que o jardim no meu quintal continuará a ser jardim mesmo após a minha morte — apenas não será o meu quintal. Que coisa intocável, a propriedade, cuja insignificância é tanta ou mais que a minha. A árvore em frente à minha casa não morrerá quando o ritmo certo do meu coração estagnar. Dentro da sua madeira forte e útil continuará a correr seiva e, no meu corpo fraco e sem propósito, o sangue irá apodrecer.
Após a minha morte pouco trágica, o jardim no meu quintal irá crescer selvagem. Não será mais limitado pelos meus gostos empobrecidos, fruto da ignorância que me rodeia. O jardim será finalmente natureza. Quando se der a minha morte, que poucos chorarão, o meu jardim não irá chorar. Perante a minha subida até aos astros, quando me juntar a quem já foi, talvez os céus chorem, talvez reguem o meu jardim. Sem luto, o jardim irá recuperar a forma ideal, a forma natural. Quando a atingir, já serei um estranho fóssil, com bizarras raízes calcificadas pelas quais nada se alimenta. Do meu corpo nada crescerá. Da minha morte crescerá a natural liberdade. Da minha alma talvez crescerá arte.
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