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Ela dorme comigo todas as noites

Mariana Raminhos

Edição: Catarina Casal


Ela dorme comigo todas as noites. Esteja eu acompanhada ou não, conto sempre com a presença dela. De manhã, ao acordar, às vezes também partilhamos o pequeno-almoço. Andamos de mãos dadas o tempo todo. Quando me canso, lá tento fugir, mas ela possui a forma da minha sombra e quanto mais eu corro, mais ela me persegue. Entre os abraços dados por uma mãe confusa e os cigarros partilhados com as amigas preocupadas,  ela mantém-se comigo: a depressão. A única que alimenta os meus medos mais improváveis e adora a ansiedade tanto quanto eu, em que o controlo do meu ser passa a ser guiado por um teatro de marionetes. Sendo a protagonista dos devaneios mais incoerentes, acreditei estar demasiado cansada para viver. Pobre coitada de mim que aos 20 anos já não conseguia ver cor… 

Depois vem a culpa, esta que parte o coração que já fraco se sentia. Ela era uma caravela que rasgava o mar tão fundo quanto a dor que carregava. Ninguém me disse que ia ser assim tão difícil… Porque é que eu não consigo respirar? Algo tão simples e humano está fora do meu alcance. Onde é que eu falhei comigo mesma? Relembrei-me dos abraços que dei à minha mãe e do quanto gostaria de a ter apertado mais e dos cigarros trocados onde podia ter dito que precisava de ajuda. Relembrei-me que, mais do que estar com depressão, eu também estou comigo mesma, a melhor companhia que poderia pedir.

Olhei para ela de uma perspetiva diferente, construindo a imagem de quem conhecia todos os cantos do oceano. Personifiquei alguém confiante, quase que sendo um pescador perdido numa tempestade. Um pescador que, sempre à porta de casa, diz à sua família que vai voltar. Mesmo incerto das circunstâncias da vida, ele faz essa mesma promessa, assim como eu a fiz. Eu e ele acreditamos que no meio do tormento existem as ondas salgadas e familiares que nos trazem à terra, onde não há sombra, mas sim um infinito que nos leva ao desconhecido. Este que dizem ser um lugar onde o sol nasce todos os dias, onde há esperança e o calor de uma casa que também nasceu comigo.


 
 
 

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