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  • André Lomba Miguel

Duas Faces

Em cada um de nós existem duas faces. Uma que nos pertence desde sempre, que cresce connosco e que se vai moldando ao longo do tempo, onde os seus contornos são desenhados e requintados conforme os anos passam. A outra é como se fosse uma história mal contada. Uma história onde nos escondemos de nós mesmos para posteriormente sermos desmascarados sem ressentimento por parte dos outros. É que com essa face, com essa outra máscara, sentimos que nos queremos tornar algo mais promissor – algo que faria de nós pessoas melhores – onde pudéssemos esconder o nosso passado e mostrar aos outros a nossa riqueza substancial. Seria essa a máscara que usaríamos, mas que mais tarde viria a ser rachada pelos que se cruzariam connosco, pelos que nos desfeririam vários e vários golpes e injetariam veneno nas nossas feridas.


Essas feridas ardem, e é aí onde a dor tateia mais, mas boa parte da mágoa refugia-se nos nossos olhos. Olhos sem cor já, secos, gastos, sem vida. Neles escondem-se pesadelos que ainda nos assombram, doenças que ainda nos corroem. Ninguém encontraria pureza num olhar como esse. Apenas um vazio imenso. Indiferença, é tudo o que os outros verão. Nem lágrimas escorrem mais. Há muito que deixaram de escorrer. Há muito que essa dor encontrou em cada um de nós um sítio onde morar.


Às vezes há quem desvalorize os que tentam deixar neste mundo boas impressões e acabam por se esquecer dos que usam aquelas máscaras de vilão e que passam despercebidos. Há quem não goste de aplaudir e dar ênfase àqueles cujas ações valem mais do que ouro e que, por vezes, seriam mais do que suficiente para esboçar sorrisos nas pessoas. Mas não é assim que nos veem, não. Nunca nos veriam assim. Somos como fantoches num espetáculo de marionetes.  


Todos nós temos uma segunda face. Uma máscara onde achamos por bem nos refugiarmos. É apenas uma questão de tempo até que ela seja rachada pelo veneno de outrem. O medo que nos assombra o olhar é constantemente regado por esse veneno que nos foi atirado à cara e que lentamente nos desfigurou as linhas do rosto. A hostilidade infiltra-se em nós como um parasita e floresce sobre a nossa pele como poros indesejáveis que não controlamos e que nos mancham a imagem. Somos alimentados por esse desprazer e carecemos sempre de dias melhores... mesmo sabendo que esses dias nada mais são do que meras miragens.


Sentimo-nos assim: perdidos e derrotados. É como nos deveríamos sentir. Pelo menos, é como eu me sinto. Como quando a minha máscara foi rachada. Ainda tenho os restos dela nas minhas mãos. Toda ela desfeita em pedaços. Doravante será apenas uma penosa memória que irei resguardar no fundo da minha mente. Um dia, mais tarde, farei dela uma folha de papel e escreverei sobre a sua superfície o meu mundo feito de linhas pretas.


Editado por Mariana Faísca

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