Bom dia, o meu nome é Vasco Lacerda e estou acompanhado da Alexandra Piedade, ambes pertencemos ao Departamento de Comunicação do Jornal O Cola. Hoje estamos aqui para entrevistar dues des membres da Lista U, a única lista candidata aos Órgãos Sociais da AEFLUL para 2023/24.
Estamos aqui com Mariana Metelo e David Realinho, candidates à Direção da AEFLUL pela lista U. Agradecemos desde já a vossa disponibilidade para responderem às nossas perguntas.
Primeiramente, qual o motivo da vossa recandidatura e porquê de continuaram com a designação da letra U, uma vez que foi essa a letra escolhida para denominar a vossa lista no ano passado? O que é que difere a vossa candidatura da anterior?
Em primeiro lugar, o agradecimento é mais nosso e dos estudantes do que vosso, porque nós também queremos ver a nossa lista e a democracia na faculdade a serem promovidas o máximo possível e vocês são um bom meio para isso. Nós recandidatámo-nos porque nunca acreditámos que um trabalho de uma lista, seja ela qual for, numa Associação de Estudantes (AE), seja o trabalho de um só ano. Este é um trabalho de continuidade, porque a linha política que adotamos, as coisas que fazemos na faculdade e aquilo que queremos ver resolvido são coisas que, na nossa perspetiva, só se resolvem na raíz. Portanto, claro que se o nosso objetivo para uma candidatura fosse ter mais microondas na faculdade, então não precisávamos de nos recandidatar e bastava-nos um ano. Mas defendemos mudanças de fundo numa série de coisas da faculdade que só se conseguem com uma luta e trabalho contínuos e com a consciencialização dos estudantes, que é algo que só se consegue a longo prazo. Neste sentido, o facto de termos escolhido «Lista U» é exatamente numa lógica de continuidade. Nós somos as mesmas pessoas, a mesma lista, a mesma direção política - temos os mesmos valores. O nosso trabalho continuará, naquilo que é importante, com os mesmos valores e princípios basilares. O que é que difere do ano passado? Acho que desta minha intervenção, já perceberam que não será muito, senão propostas concretas no que toca à vida dos estudantes na Faculdade de Letras e o nosso próprio conhecimento da faculdade, que eu acredito que é mais aprofundado agora, porque já temos uma certa experiência e contacto com os estudantes. Continuamos a defender o fim da propina, as alterações do RJIES e a democracia da Faculdade nas suas mais diversas vertentes. Os nossos princípios são os mesmos, o que muda é uma série de propostas eleitorais que não tínhamos no ano passado e que agora temos.
Havendo apenas uma lista, não será esta situação irmã do ócio, causando assim um relaxamento nesta campanha eleitoral?
É uma questão bem colocada, mas creio que não. Independentemente de ganharmos ou não, o objetivo é sempre o mesmo: chegar aos estudantes, concretizar as medidas necessárias para melhorar a sua vida, continuar a luta, auscultar as suas exigências e necessidades. Não creio que isso seja minimizado por não termos concorrência. A nossa luta é sempre a mesma, quer houvesse mais uma lista de oposição ou mais cinco. Portanto, não acredito que seja por isso que nos levemos ao relaxamento de nenhuma forma.
No vosso programa, mencionam a «continuidade à colaboração e cooperação entre todos os núcleos» e o estreitamento da ligação da AEFLUL com os mesmos. Qual o vosso feedback da relação com os núcleos durante este ano que passou e como pretendem melhorá-la?
O que achamos, e do balanço que fizemos enquanto AE individualmente com os núcleos, é que esta relação efetivamente foi muito frutífera ao longo do ano e conseguimos ter uma grande aproximação aos núcleos. Instaurámos esta ideia de termos um Conselho de Núcleos, que basicamente consiste numa reunião mensal com os mesmos, e isso permitiu-nos conhecer e estar sempre em cima das suas necessidades. E, mesmo no ponto de vista pessoal, criar uma relação mais regular: passar pelas pessoas no corredor e saber «Aquela é a Joana e esta é a Maria». Houve esta nossa tentativa de nos aproximarmos, de colmatarmos as necessidades e interesses dos núcleos, dar-lhes aquilo de que precisam para desenvolverem a sua atividade de forma mais eficaz. Pelo menos dois núcleos decidiram vincular-se à AE e outros dois tiveram oportunidade para se criar. Isso mostra, ao nosso ver, que estamos a fazer um trabalho que vai ao encontro daquilo que os núcleos precisam e daquilo que são as suas necessidades. Neste sentido, a nossa perspetiva para este ano é dar resposta àquilo que os núcleos acham que não demos resposta ainda. Concretamente, fomentar a criação de mais núcleos e deixar mais explícito como é que os estudantes o podem fazer. Nós vamos trabalhar nisso, mostrar que a AE tem apoios e que os vai ajudar quando tiverem esse trabalho. Manter esta questão do Conselho de Núcleos, porque nos pareceu que foi uma grande vantagem para conhecer a realidade desses estudantes que é tão concreta. E, acima de tudo, tentar criar mais iniciativas que possam incluir a AE e os núcleos de forma cooperativa, nem que seja em festas. Queremos manter essa relação muito próxima.
Propõem a realização da celebração do aniversário da AEFLUL. Como é que este evento seria realizado e em que medida seria benéfico para a comunidade estudantil em Letras?
Tínhamos pensado nisto como um momento de conscientização e de divulgação daquilo que é uma Associação de Estudantes, aquilo de que deve de ser, para aquilo que serve e já serviu. Nesse sentido, servirá para mostrar que a AE tem um papel que os estudantes às vezes não veem, ou que desvalorizam, e que pode ainda ter um papel maior se se juntarem a nós. Quantos mais formos, mais importante e mais forte será o nosso papel. Queremos mostrar aos estudantes o porquê de as AEs, por exemplo, terem sido importantes antes e depois do 25 de abril; antes, durante e contra fascismo. Temos um arquivo histórico que mostra como é que as AEs, por exemplo, na década de 80, foram um motor tão importante para a democracia e democratização das faculdades, que agora vemos recuada. O que nós queremos mostrar é que as AEs não servem só para ir de três em três meses a encontros nacionais de direções associativas em que não se discute nada do que é importante. E que também não é só fazer uma campanha em que damos coisas e depois, de vez em quando, fazer uma festa de final de ano. Isso é importante, mas nós não somos isso. Portanto, o aniversário da AEFLUL envolve esta parte política, porque todas as nossas iniciativas são e continuarão a ser políticas, mas também uma parte lúdica, porque pensávamos também fazer um género de festa de aniversário, talvez com decoração importante e algumas faixas e cartazes alusivas à luta dos estudantes.
Ainda no Departamento Recreativo, em maio, foi a primeira vez que se realizou a Queima das Fitas na FLUL. Qual é a vossa perspetiva sobre como decorreu o funcionamento da mesma? O que é que planeiam mudar no evento em 2024, em termos de organização?
Para uma primeira vez, com a pouca experiência que nós ainda tínhamos, correu muito bem, na medida em que tivemos muitos estudantes que confiaram que a AE conseguiria realizar aquilo, e muitos vieram agradecer-nos por fazê-lo. Ou seja, a nossa avaliação parte, também, da avaliação dos estudantes. O que pretendemos mudar, a nível de organização, é aquilo de que se queixaram. No ano passado tivemos o problema de as horas que divulgámos não baterem certo com aquilo que efetivamente aconteceu. Isto foi por pura inexperiência e maus cálculos. Para o ano, pretendemos divulgar a lista dos cursos para ver em que ordem é que aparecerão. Dar a hora de início, arranjar forma de ter mais gente sentada - que também foi uma falha nossa, mas às vezes a gestão de espaços não nos facilita muito o trabalho e nós tivemos essa dificuldade de contacto na altura. Tentar arranjar mais sombras, talvez aumentar o tamanho do palco. Serão coisas deste género, a ideia base, nós mantê-la-emos. Vender café, água, porque estará calor, cerveja para a malta se divertir, fazer cá fora, no espaço da faculdade, usar os nossos materiais, sermos nós a organizar, isso manter-se-á. Será um dia em que os estudantes poderão efetivamente estar contentes, sem terem que se preocupar com mais nada. Depois, claro, quanto à questão de logística, que nós consideramos que no ano passado não correu bem por inexperiência, este ano já não irá acontecer.
Quando se candidataram pela primeira vez, uma das vossas propostas era a resolução do site da AEFLUL. Para este ano, comprometem-se a finalizá-lo e dar por concluída esta tarefa. Há imenses alunes que não têm conhecimento nem estão a par da situação do site. Quais é que eram esses problemas? Conseguiram resolvê-los? Como é que esta plataforma será favorável e quando é que será lançada?
Os problemas que o site apresentava que nós nos propusemos a resolver eram muito simples: não haver site. Aliás, se vocês procurarem aeflul.pt, não aparece absolutamente nada. E, portanto, aquilo a que nos propusemos é, obviamente, a criar um site. Na verdade, o site já está quase concluído. Falta uma parte em que os próprios núcleos também vão ter uma parte ativa, que é apresentar-se e etc. Portanto, falta o conteúdo de pôr textos e pôr fotografias e há-de ser esse o resultado final. Quando é que será lançado, não conseguimos confirmar, porque a própria pessoa que está a fazer o site também não nos conseguiu dizer. Possivelmente, no início do segundo semestre já esteja concluído. Isto será favorável para os estudantes porque encontrarão lá toda a informação que lhes possa ser útil na vida da faculdade e para lhes mostrar aquilo que a faculdade é, mas também aquilo que devia ser. Vão conseguir encontrar lá as iniciativas, a história e os estatutos da AE, todos os núcleos, todas as equipas desportivas, o que é uma RGA e vão ter acesso aos documentos das mesmas. Vamos ter uma secção só dedicada à luta que a Associação de Estudantes já fez e com que se compromete. Muito concretamente, a luta que fazemos todos os anos no 24 de março, dia Nacional do Estudante, e não só, porque nós também já tivemos outros momentos de luta. Será um bocadinho por aí, poderão ter acesso também a questões como: como é que se candidatam às bolsas da DGES, como é que se candidatam às residências, onde é que estão as cantinas públicas, mas também, face a estes problemas, o que é que a AE que os representa está a defender, porque nós achamos que isso é muito importante. E, depois, como é que se podem juntar aos núcleos, às equipas, à própria AE, o que é que podem encontrar na Associação de Estudantes quando cá vêm, esse tipo de coisa.
A Faculdade de Letras carece de meios e autoridades para dar apoio aes mais de 4000 estudantes tanto a nível físico como mental. A probabilidade do surgimento de mais psicólogos, por exemplo, é pouco esperançosa. Como é que a AE pensa ajudar, de alguma forma, a comunidade estudantil e este aspeto?
Na verdade, agora a direção supostamente disse que ia contratar mais um ou dois psicólogos. De qualquer forma, continua a ser insuficiente e nós reconhecemos essa insuficiência e vemos isto como um problema que tem que ser resolvido de raíz. Por um lado, defendemos a existência de mais psicólogos, e teremos sempre essa reivindicação junto da Direção, porque temos a oportunidade de fazer valer aquilo que os estudantes defendem junto deste órgão. A OMS defende um psicólogo para cada 500 estudantes, e portanto será sempre essa a nossa linha de reivindicação. Por outro lado, há aqui uma parte da questão da saúde mental no ensino superior que nós consideramos que muitas vezes se esquece. Muitas vezes, olha-se só para a questão da solução e nós pretendemos começar a abordar este assunto também na medida da prevenção. Na nossa perspetiva, este é um problema como todos os outros, é um problema essencialmente económico. Ou seja, o estudante que esteja no ensino superior público em Portugal, neste momento, está stressado, ansioso e eventualmente fica deprimido porque: tem que pagar a casa - não tem dinheiro para tal, se calhar tem um trabalho que não lhe chega para pagar a casa sequer, se calhar vai ser despedido porque não tem contrato de trabalho; tem que pagar a alimentação, que está muito cara; tem que pagar os transportes - porque se é deslocado, não é de Lisboa, tem de continuar a pagar os transportes; além de ter de pagar a renda tem, em primeiro lugar, de arranjar um sítio para viver… Isto toca numa série de coisas que nós andamos a defender: cantinas públicas, residências públicas, transportes gratuitos para todos. E depois uma questão muito importante também, que é: têm que estudar. E têm que estudar muito, porque têm a mesma matéria que se tinha antes do processo de Bolonha, mas em menos dois anos. Aquilo que os nossos pais aprendiam em cinco anos, nós aprendemos em três, porque o conteúdo não foi adaptado. Mas nós perdemos 250 horas de aulas - horas contadas por nós, Associação de Estudantes -, face a alguém que teve uma licenciatura pré-bolonha. E o que é que é um ano na Faculdade de Letras: são dois semestres, de três meses, com duas aulas de 1h30 a cada cadeira por semana. Portanto, três horas por semana, durante três meses, em que tens que aprender o mesmo que se aprendia em seis meses antes, mas em 5 anos. Portanto, claro que os estudantes estão stressados, estão deprimidos. Porque isto depois não lhes dá tempo para fazer aquelas coisas que, para além de serem um direito, fazem a vida valer a pena: ir ao cinema, ir passear, ir viajar, ir namorar, relaxar, ler um livro. A vida não é aquilo que deve ser, e portanto nós defendemos, também para a saúde mental, o fim da propina - porque há este pormenor: no meio disto tudo, os estudantes ainda têm de pagar a propina -, residências públicas, cantina pública, trabalhos que não sejam precários e que tenham efetivamente contratos de trabalho e direitos; tempo para lazer, para o desporto, para a cultura, para a família, para os amigos… Todas aquelas coisas que a malta acha que não se relacionam, e que «Ah, lutar por psicólogos é só lutar por psicólogos». Não, lutar por psicólogos é lutar por aquilo a que temos direito, que é um ensino superior para todos, um ensino superior efetivamente público.
Durante o ano letivo passado e grande parte deste semestre, o elevador que faz a conexão entre os três pisos do edifício principal da FLUL esteve fora de serviço, impedindo e dificultando a circulação des alunes com mobilidade reduzida pelos diferentes espaços da faculdade. Este exemplo vai ao encontro da vossa proposta de «auscultar os estudantes portadores de deficiência de modo a procurar as suas condições na Faculdade». Como é que pretendem fazer isso e como é que poderão agir para erradicar as barreiras de acessibilidade que a faculdade apresenta?
Isto vai tão no sentido da nossa proposta que nós já tivemos esta conversa com a Direção. Nós dissemos que os estudantes com mobilidade reduzida, quando os elevadores não funcionam, não conseguem chegar às aulas, e, portanto, se eles não conseguem garantir que os elevadores funcionam, entãoao menos têm de garantir que as aulas são num sítio onde os estudantes conseguem chegar. O que é que a Direção respondeu? Há aqui dois pontos, da resposta da Direção, e eu vou deixar o melhor para o fim. O primeiro é que os elevadores fecharam porque este tipo de instrumentos tem uma revisão periódica obrigatória que é feita pelas empresas e depois tem de ser aceite pela Câmara Municipal. E a Câmara, basicamente, viu isto e disse que tinha de se fechar. Então, os elevadores foram todos fechados e tiveram de ir para reparação. Só que tudo isto é muito burocrático, é muito longo, é muito complicado, como muitas coisas que nós conhecemos. Acontece que, efetivamente, depois de terem sido inspecionados, teve que se esperar pela inspeção da Câmara outra vez, para se poder reabrir os elevadores. E foi por isso que estiveram fechados tanto tempo: por questões legais e mesmo por uma questão de risco, de segurança. Agora já estão a funcionar, pelo menos alguns. A outra parte da resposta é: nós respondemos «Pois, mas continua a haver um problema, que é: quando isso está fechado, os estudantes continuam a faltar às aulas. Portanto, tem que haver uma solução.» O que é que a Direção nos respondeu? Disse que há solução, porque há trabalhadores, seguranças, que estão aí nos corredores e que ajudam os estudantes. Isto não chega, de todo. Tendo isto em conta, pretendemos auscultar os estudantes da mesma forma que até aqui: literalmente conversando, que é o que tem acontecido, e é muito positivo porque estes estudantes chegaram à AE por vontade própria e falaram-nos sobre isto. Reconhecem em nós um motor para a resolução dos seus problemas. Logo, tendo estas relações já estabelecidas, pretendemos continuá-las e alargá-las. E levar isto à Direção, se for preciso ir lá todas as semanas. Agora, a própria faculdade diz que temos dificuldades em resolver isto, porque agora o edifício da FL é um Monumento Nacional, basicamente, um edifício «protegido», e, portanto, há uma série de intervenções nas infraestruturas que não só não são permitidas, como muitas outras requerem uma data de questões legais. Então, a nível de infraestruturas, não acho que iremos ter muita sorte. Mas vamos continuar a reivindicar para que ao menos estes estudantes tenham as suas aulas no piso térreo, de forma a poderem lá chegar. Se isto for absolutamente impossível, que não lhes marquem faltas, que lhes dêem a matéria na mesma, que estes estudantes não saiam prejudicados academicamente por falhas da faculdade. Claro que o ideal era que houvesse uma intervenção nas infraestruturas; se a faculdade reconhecer que isso é possível, é por aí que nós entraremos e defenderemos os direitos dos estudantes. Agora, se isso não for possível, será neste tipo de proposta: ou ter aulas noutros sítios, ou ter aulas só com o professor numa outra hora, mas que de nenhuma forma os estudantes saiam prejudicados academicamente por isto.
Para não cair em demagogia, como planeiam ao certo alcançar o alargamento dos exames de melhoria, uma vez que esta era já uma proposta que tinham no mandato prévio e não se viu alcançada?
Em conversações com a Direção. Obviamente que, quando defendemos também o fim da propina, não estamos a prometer que quando os estudantes voltarem em nós a propina vai acabar. Não estamos a prometer que isso se vai concretizar, porque são coisas que não dependem inteiramente de nós. O que depende inteiramente de nós é a defesa tanto do fim da propina, como dos exames de melhoria, através da nossa intervenção junto da Direção, que no fundo é o nosso único e mais direto meio para termos este tipo de discussões. Eventualmente, se nos for permitido, que eu acho que não é, tentar falar com determinados Conselhos, como o Conselho Pedagógico, que define essas coisas. Não nos parece que isso seja possível, porque a Associação de Estudantes não está presente - e mal - nestes órgãos de gestão da faculdade, portanto não temos muita intervenção aí. Mas tentaremos sempre, nem que seja falar com alguém que lá esteja. Através das «negociações» e insistência que forem necessárias, porque nós reconhecemos que isso é uma coisa que melhoraria efetivamente a vida académica dos estudantes. E portanto nós vamos, dentro do nosso direito e das nossas possibilidades, defender esse direito e esse acesso, com este argumento de que é melhor para a vida dos estudantes.
Muites estudantes não sabem o que é o processo de Bolonha. Podem explicar melhor o que é e em que é que a sua abolição beneficiará es mesmes?
Portugal aderiu ao processo de Bolonha em 2006. Este processo foi criado com a ideia enviesada que a União Europeia (UE) tem da democracia: de que a UE é um lugar igual, um lugar democrático, onde somos todos iguais; esta ideia da identidade europeia que não mede fronteiras e não mede condições objetivas e subjetivas. Segundo esta ideia de integração, unidade e identidade europeia democrática, o objetivo era que os estudantes dos países que aderissem ao processo de Bolonha - que são, no fundo, os países da União Europeia - estivessem no mesmo nível, porque tinham o mesmo tempo de estudo. Isto é, se estudasses Relações Internacionais na Alemanha e eu em França, a ideia seria termos acesso às mesmas oportunidades, porque estudámos o mesmo tempo. Se não houvesse este processo de Bolonha, se calhar na Alemanha estudavas cinco anos e eu quatro, o que eles acham que te dava vantagem face a mim. Só que isto é falso, porque não mede uma série de outras coisas. E, acima de tudo, foi mal aplicado em Portugal. Não nos compete falar de todos os países, nós falamos pelo ensino superior público português e o que se vê é que isto é uma autêntica falácia. Nós antes tínhamos os cursos, na sua maioria, de cinco anos. Cinjo-me especialmente aos cursos da Faculdade de Letras, porque acho que é o que faz mais sentido. O curso de História, por exemplo, era de cinco anos, antes de 2006. Assim que Portugal adere ao processo de Bolonha, passa para três. Devia haver uma adaptação da matéria que é lecionada, face a esta alteração, porque não podemos dar a mesma matéria em menos tempo. A não ser que tivéssemos mais aulas, mas não temos, continuamos a ter duas aulas por semana a cada cadeira. Portanto, isto não faz sentido nenhum, porque temos a mesma matéria, mas são menos 250 horas de aulas. E mesmo que se adaptasse a matéria, então estávamos literalmente a perder dois anos. Ou seja, isto é uma falsa solução. Esta ideia de igualdade que eles querem transmitir fica comprometida, porque se nós queremos aprender o mesmo que se aprendia antes, temos de tirar um mestrado. E quem tira mestrados é quem pode, porque as propinas do mestrado não têm teto máximo, o que significa que as faculdades podem pôr para o mestrado, como para os doutoramentos, o preço que lhes apetecer. A propina da licenciatura tem o teto máximo de 697 euros por ano, portanto as faculdades não podem passar disso. Para os mestrados isto não acontece. E é disso que se trata. Só vai tirar mestrado quem tem dinheiro para o fazer; já a licenciatura, não a tiramos todos. E portanto, isto não só não nos põe em pé de igualdade com outros países, como nem no nosso país o faz, antes pelo contrário. Isto só acentua as desigualdades, porque parte de uma base económica e há uma desigualdade económica a priori. Isto é a mercantilização e a elitização do ensino superior. Então nós acreditamos que isto não pode ser, especialmente considerando esta questão de não haver teto máximo nos mestrados. Isto cria problemas sociais e económicos, ou seja, na própria estrutura da sociedade, porque depois vai determinar os postos de trabalho, o emprego e o acesso ao emprego, que por sua vez determina o acesso à habitação, à educação dos nossos filhos, determina a vida que nós temos enquanto trabalhadores. Logo, isto não só não resolve nada, como piora tudo. Não é que o processo de Bolonha deva, por si, acabar, porque se a França quer estar no processo de Bolonha, nós não temos nada a ver com isso. Mas defendemos que Portugal não deve fazer mais parte do processo de Bolonha.
Falam, também, da revisão e alteração do RJIES e do alargamento do PNAES. Que revisões/mudanças específicas pretendem fazer ao RJIES? De que modo pretendem alargar o PNAES?
Primeiro, é preciso explicar o que é cada um deles. O Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES) é o que determina, no fundo, o funcionamento do ensino superior público na medida do financiamento, dos seus órgãos de gestão e uma série de regulamentos que são necessários. Deve ser revisto porque, no ano em que foi implementado, ficou definido que seria revisto dois anos depois - já devia ter sido revisto em 2017. Nós vimos, no início deste ano, que a comissão de revisão do RJIES já tinha sido nomeada, mas, efetivamente, ainda não houve alterações. O RJIES tem várias coisas com as quais nós não concordamos. Define, por exemplo, a questão dos apoios da associação social escolar, a questão do provedor do estudante e define, também, a forma como as nossas faculdades tomam decisões. Isto é, aqueles Conselhos para os quais houve eleições agora - o Conselho de Escola, o Conselho Pedagógico, etc. E o RJIES define que a constituição desses Conselhos seja a seguinte: a maioria, representantes de docentes e investigadores; 30%, e cito, «de personalidades externas de reconhecido mérito» - o que é que isto é? Não sei, mas na prática, na maior parte das vezes, isto é sinónimo de privados, cujo interesse é o lucro -; e 15% de representantes dos estudantes, uma parte muito ínfima. E, portanto, a maioria é gente que, ou não vive da faculdade, ou não está na faculdade sequer, e cujos interesses são totalmente diferentes dos interesses dos estudantes. Isto significa que os estudantes acabam por não ter voz nas decisões que são feitas sobre a própria faculdade, os regulamentos, a avaliação, a legislação, a gestão curricular… porque é para isso que servem estes Conselhos. E nós defendemos que a percentagem de estudantes deve aumentar para algo como 40% ou 45%. Além disso, há a questão do provedor do estudante, que, segundo o RJIES, deve existir em cada instituição de ensino superior e «cuja ação se desenvolve em articulação com as Associações de Estudantes e com os órgãos e serviços da instituição, designadamente, com os Conselhos Pedagógicos, bem como as suas unidades orgânicas». Ora, para começar, não é explicado se o provedor do estudante é estudante, docente, trabalhador não docente ou entidade externa de mérito. E depois, nós acreditamos que a parte que diz «cuja ação se desenvolve em articulação com as Associações de Estudante»” está a sobrepor um provedor do estudante, ou seja, uma pessoa, a uma Associações de Estudantes, o que provoca e revela uma autêntica desvalorização do movimento associativo estudantil, do papel das AEs como reivindicação dos direitos e interesses do estudantes. Se revelam a importância de haver uma AE, uma vez que ele tem de estar em articulação com a mesma, então porque é que precisamos de um provedor de estudante, que nem sequer é necessariamente eleito pelos estudantes? Nós somos muito contra este artigo, que é o artigo 25º do RJIES, sobretudo pela desvalorização do movimento associativo estudantil. Por outro lado, somos também contra a falta de representação estudantil nos órgãos de gestão da faculdade.
O Plano Nacional de Alojamento para o Ensino Superior (PNAES) foi criado em 2018 e implementado em Portugal em 2019, pelo Estado. É um plano que definia a criação de 18 000 camas, de 2019 até 2026. Ora, este plano não está a ser executado, e se está, está a sê-lo muito insuficientemente. Mesmo que esteja a ser executado, há menos camas do que havia antes, porque estão a fechar uma data de residências. E portanto, tinha-se esta ideia de intervencionar residências e criar novas, sempre residências públicas. O problema disto é: 1) não está a ser cumprido, portanto nós defendemos o seu cumprimento; 2) tem que ser alargado, porque, mesmo que se criassem 18 000 ou mesmo 30 000 camas, não era suficiente, porque há mais de 100 000 estudantes deslocados em Portugal. E nesta fase, em que o mercado de habitação privado está absolutamente impossível e os salários, as bolsas e os apoios sociais não estão propriamente a acompanhar, então tem de haver uma solução pública. E ela existe, só não está a ser cumprida. Então é isso que nós queremos dizer com «cumprimento e alargamento do PNAES»: isto é, alargamento a um ponto em que - e esta é a nossa reivindicação principal - a cada estudante deslocado corresponda uma cama numa residência pública. Mesmo que eles não a queiram usar, têm de ter essa opção.
Algumas das bandeiras da vossa candidatura anterior eram as exigências de mais camas, do fim da propina e pagamento de taxas e emolumentos, de mais espaços para es estudantes na Faculdade e do fim do processo Bolonha. Como é que viram o processo destas medidas ao longo do vosso mandato e como é que será diferente agora? Até que ponto é que a luta da AE poderá dar frutos, sendo que muitas vezes estas problemáticas são resolvidas de forma mais institucional do que estudantil?
Nós acreditamos que a luta dá frutos porque existem várias frentes. A História comprova isso. Essa pergunta pode ser traduzida de outra forma, que é: como é que nós temos intervenção para a resolução destes problemas, onde é que nós entramos na sua resolução? E a resposta é: nós entramos na via institucional e num ponto muito importante, que nós não descuramos, que é: nas ruas. Em 2022, nós vimos o Dia Nacional do Estudante comemorado nas ruas de Lisboa por mais de 2000 estudantes. No dia 23 de março de 2023, ação descentralizada por todo o Portugal, nas ruas de Lisboa estavam mais de 700 estudantes, numa ação regional. Os estudantes sentem estes problemas, mobilizar, ir para a rua, é possível. O que nós temos de fazer é mostrar-lhes que a sua solução é possível e é alcançável. Daí também nós acreditarmos que este é um processo de continuidade. Nós, no dia 23 de março de 2022, éramos 2000. Quando a propina foi implementada, em 1992, havia 10 000 estudantes à porta da Assembleia da República. Temos de mostrar que isto nos afeta, que sabemos quais são os problemas, identificamos as causas e as soluções. Temos de fazer essa pressão e mostrar que estamos presentes, que queremos intervir, que sabemos como é que queremos a intervenção feita. Depois, as AEs têm um papel que é importante do ponto de vista institucional. Estamos presentes no momento associativo geral, de Portugal, muito através do Encontro Nacional de Direções Associativas (ENDA), que se dá de três em três meses. E mesmo que nós acreditemos que a discussão não é a mais frutífera, que o foco nem sempre é aquele que nós consideramos que deve ser e não nos revejamos nos próprios temas da discussão, revemo-nos, sim, nesta ideia de que o movimento estudantil toma uma posição. Nós queremos ser parte dessa tomada de decisão, a nossa reflexão contribui para isso. A ideia é que as reflexões que saem do ENDA sejam, à partida, enviadas para os seus proponentes, isto é, para o Ministério, para o Governo, para estes órgãos importantes que podem resolver as questões. E nós, também sendo parte da UL, tendo espaço por vezes em reunião com a Reitoria e estando presente também nas reuniões com a Direção, esta é toda uma parte institucional a que nós podemos ter acesso. Já para não falar das reuniões que podemos ter com o Ministério, quando este se dignar a responder aos nossos e-mails. É difícil? É. É possível? Também. É como o fim da propina. Portanto, esta intervenção é possível e necessária em todas as frentes, nas ruas e em gabinetes, porque uma sem a outra não funciona.
Durante esta primeira semana de campanha, nos panfletos que foram divulgados para dar a conhecer a vossa lista, incluiram «Intervalos» na «Sopa de Lutas». No programa que nos foi disponibilizado para prepararmos esta entrevista, não tinha qualquer menção a este tópico. Perguntamo-nos se está subentendida a proposta de que pretendem lutar para a implementação de intervalos entre aulas da faculdade, uma vez que muites estudantes se queixam das aulas seguidas sem qualquer pausa. Se alcançarem essa implementação, isso implicaria uma alteração total na estrutura interna e nos horários da FLUL. Como é que esse processo seria realizado e quais os seus resultados esperados?
Como o processo seria realizado, nós não conseguimos propriamente responder, porque depende de uma série de reestruturações, pelo que provavelmente não poderia ser discutido apenas entre a AE e a Direção. Provavelmente tem de ir, legalmente, aos órgãos de gestão, aos Conselhos variados. A forma como beneficiaria os estudantes, acho que os próprios sabem, porque se eles o reivindicam é porque sabem como é que isso os beneficiaria. Beneficiá-los-ia na medida em que podiam parar, descansar a cabeça. Isto traduzir-se-ia num maior aproveitamento das aulas que têm, no convívio com os colegas, parar para comer alguma coisa. Tem uma série de vantagens. Todos nós sabemos que, se temos seis horas de aulas seguidas, à terceira hora já não estamos a ouvir nada. Portanto, isto refletir-se-ia até em melhores notas, mais saúde mental e melhores rendimentos.
Quais as maiores aprendizagens que retiram deste vosso primeiro ano de mandato?
Achamos que muitas das coisas que nós aprendemos não eram bem coisas que não sabíamos, mas sim que tivemos confirmadas: que a luta funciona. Conseguimos alargar sempre o caudal de luta, ter iniciativas com mais gente e procurar sempre perspetivas de crescer, trazendo mais colaboradores para a Associação de Estudantes. Tivemos muita gente a entrar, a quem fez sentido a continuação da luta. Ou seja, uma lição que tivemos é que a luta gera luta. Se continuarmos a fazer isto, vão-se gerar mais condições para conseguirmos continuar, para ir contra todas as injustiças que existem e responder às necessidades dos estudantes. Percebemos que quando os estudantes são convidados a participar, os estudantes querem fazê-lo. Quando têm a oportunidade de ser uma parte ativa na sua vida, eles querem e são efetivamente o motor da resolução dos próprios problemas. Isso era uma coisa que sabíamos na teoria e que tivemos oportunidade de pôr em prática.
Há mais alguma coisa que gostassem de acrescentar?
Que votem. Votem, por favor. Nem que seja para votar em branco.
Em nome d’O Cola, agradecemos mais uma vez pela vossa disponibilidade e esclarecimento!
Obrigada nós, em nome da Lista U.
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