Por Filipe Marçal (O Cola) e Nelma Andrade (NEEA - Núcleo de Estudos e Estudantes Africanos)
Editado por Rosana Sousa
Este artigo foi redigido numa colaboração entre o Jornal O Cola e o Núcleo de Estudos e Estudantes Africanos (NEEA).
Celebra-se hoje, pela 60ª vez, o Dia de África. Este dia é comemorado anualmente, celebrando a fundação da Organização da Unidade Africana (OUA), atualmente conhecida como União Africana. A fundação da OUA deu-se no dia 25 de maio de 1963, na capital da Etiópia, Addis Abeba.
Embora tenha sido fundada apenas em 1963, a ideia de um projeto como este já existia há décadas, podendo-se considerar o Primeiro Congresso dos Estados Africanos Independentes, realizado em abril de 1958, em Acra, capital do Gana, como um momento importante para o arranque do projeto. Este congresso foi convocado por Kwame Nkrumah, Primeiro Ministro de Gana e um dos fundadores do Pan-Africanismo.
A Organização da Unidade Africana visava, primeiramente, auxiliar os restantes países que permaneciam sob o jugo colonial europeu na conquista da independência. Para além disso, defendia também os valores pan-africanistas – doutrina social e política que apela à unificação dos países africanos e da sua diáspora para a criação de uma África homogénea - combater o Apartheid e promover a paz, a solidariedade e a cooperação entre os estados africanos. Os objetivos tinham como foco principal a promoção da unidade e solidariedade destes países, bem como a defesa da soberania e integridade territorial dos estados africanos. A OUA também assumia uma vertente económica, já que também tinha como objetivo coordenar a cooperação económica e o desenvolvimento.
Posteriormente, no dia 9 de julho de 2002, a OUA viria a ser substituída pela União Africana (UA). A substituição de uma organização pela outra representou somente uma modificação em relação à nomenclatura, uma vez que, a UA projetava dar continuidade a um conjunto de propostas previamente iniciadas pela sua antecessora, bem como a ampliar as mesmas, de modo a atender aos desafios e necessidades atuais de África.
Enquanto organização continental composta por 55 estados-membros que, em conjunto, abarcam todo o continente africano, a UA procura promover a unidade, a solidariedade e o desenvolvimento de África. A visão da União Africana remete para a ideia da prosperidade, integração e pacificação africana, levada a cabo através de metas como a consolidação da economia e a garantia da participação efetiva da sociedade civil, mas também mediante o encorajamento da participação da Diáspora Africana para a construção da união das várias “Áfricas” que compõem o continente.
Embora já exista a Zona Africana de Comércio Livre, a UA tem como um dos seus objetivos o estabelecimento de uma união económica e monetária, incluindo uma união aduaneira, um mercado comum e um banco central. Embora pareça uma finalidade quase impossível ou, no mínimo, seriamente difícil de alcançar, tanto por conta das diferenças nos sistemas económicos e infraestruturas inadequadas, como, claro, por questões políticas, este é um dos principais focos da UA. A evidente manifestação da capacidade e intenção de reerguer o continente é notável através da Agenda 2063. Esta agenda é um projeto ambicioso que apresenta o reposicionamento de África para se transformar num ator dominante no contexto internacional.
A celebração deste dia assume extrema importância, não só para os países africanos, mas também para toda a diáspora africana pelo mundo. O 25 de maio simboliza um marco histórico. Esta celebração leva-nos a uma reflexão e consciencialização dos desafios enfrentados por África ao longo de toda a sua História. É cada vez mais importante valorizar não só essa mesma História e as conquistas deste continente, como também a sua diversidade.
Não é possível deixar passar este dia sem apelar à importância de olhar para África sem o filtro eurocêntrico a que somos submetidos desde pequenos e desde que temos os primeiros contactos com este continente. É fundamental desconstruir todas as perceções erradas e manipulações da história que foram construídas com o simples objetivo de perpetuar o domínio, não só ideológico, de um sobre o outro. Muitas destas deturpações permaneceram até aos nossos dias e é cada vez mais imperativo prestarmos atenção e questionarmo-nos quanto ao que sabemos sobre África e à veracidade dos factos relatados.
É importante ver África como ela realmente é: um continente imensamente rico, quer culturalmente, quer a nível de recursos. África tem todo o potencial para assumir um papel de grande relevo no futuro em diversas matérias. Com toda a riqueza em recursos, tanto naturais como energéticos, tem-se assistido de forma generalizada a um positivo crescimento económico e a uma melhoria da qualidade de vida, apesar de não ser homogénea. Para além disso, a população jovem e em crescimento, bem como o aumento significativo da aposta no setor tecnológico, confirmam ainda mais este potencial.
Por um lado, da mesma maneira que é importante referir estes aspetos, não podem ser ignoradas outras questões menos positivas que estão presentes no continente. África enfrenta desafios como a pobreza e desigualdade, o que constitui uma preocupação mais acentuada. Para além disso, os conflitos e instabilidade política que vários países enfrentam também não podem ser ignorados. Entre outros desafios com que o continente se defronta, as mudanças climáticas têm assumido cada vez mais um lugar de destaque, pois, neste aspeto, África é particularmente vulnerável. Embora encarando todos estes desafios, não devemos olhar para o continente como uma “vítima” ou como estando dependente da ajuda externa para a sua autossuficiência. O continente, através dos seus recursos e talentos, tem todas as potencialidades para os superar, pelo que é também essencial que haja vontade política para tal. Neste âmbito, a Agenda 2063 – A África Que Queremos apresenta-se como a trilha de um novo caminho e da criação de uma nova narrativa africana.
A transição da OUA para a UA representa a capacidade de adaptação do continente africano às novas exigências e cenários políticos, sociais e económicos. Os desejos de transformação do continente africano são grandes, desde a consagração da Organização da Unidade Africana. Após 60 anos, os estados africanos demonstram cada vez mais o seu compromisso com a melhoria do continente em vários âmbitos. Celebrar o Dia de África é reforçar o sentido de união entre o continente e a sua diáspora, a grande contribuidora para a mudança de pensamento e a criação de uma nova África.
África é tudo isto e, por isso mesmo, é bela!
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