Editado por: Nuno Brandão
Saudades do seu abraço e daquele sentimento quentinho que só seus braços são capazes de inventar. Escrevo isto sabendo que você nunca vai ler – e que eu nunca te abracei. Nos entendemos de um jeito diferente e assim é bom!
Mas vim confessar na Igreja aqui da esquina e implorar ao padre por perdão pelos meus desejos-pecados. Não me atrevo a olhar nos olhos deste homem que diz ser um bom samaritano, que diz sentir a presença de dDeus. Não tenho coragem nem forças para enfrentar o castanho escuro quase preto, quase repulsa, sem vestígios de amor nos olhos do papai, de novo… pela milésima vez. Minha voz treme e sai mansa enquanto confesso; vou dormir desejando – te entender na sua língua mãe. Sonho com isso e nestes meus sonhos você me acorda e sei! Alguma coisa mudou.
Suas palavras, sua boca e seus braços me aquecem e eu te entendo tão bem, tão melhor. O segundo-minuto que normalmente demoro p’ra te entender, ter e amar por completo não existe nestes meus sonhos. São sonhos mesmo! Daqueles lindos e almofadados, que te fazem perder a hora de uma prova importante, que te fazem querer perder uma prova importante. Não existe barreira de linguagem, de corpo e muito menos de alma! Nos entendemos do jeito mais comum. Aqui é o único lugar onde sinto a presença de Deus – no espaço entre nós ela vive forte e se incendeia numa chama capaz de ganhar vida e transformar água em eterna gasolina. E assim é tão bom! Certeza indescritível. Do seu lado, qualquer cético come do corpo de deus. E eu nunca perguntei seu nome.
De madrugada procuramos aconchego, esconderijo, quentura e nossa paixão, para nós tão natural… no fundo da minha mente. E eu te entendo muito bem. Eu te vejo! Nascemos falando a mesma língua. Sua mãe me ama, ri das minhas piadas e sempre pergunta por mim, coisa que achei impossível um dia acontecer, pois lembro de como minha própria mãe não sabe se estou viva ou morta. Nossas famílias se encontrando é uma algazarra que só! Pensar em casamento vira motivo de festa. Você me ama um pouquinho mais nos meus sonhos, você me ama um pouquinho mais quando eu não cometo erros de gramática e quando nosso amor é fácil. Gostar de mim quando você me ama tanto assim nem é tarefa. Quero ser batizada e mostrar para todos que, mesmo nascendo de novo, nosso amor prevalece.
Mas não posso viver nesta simples madrugada, neste terno sonho. Consigo ouvir as badaladas da igreja corroendo meu ser, som alto e doloroso que veio para despertar e infligir a realidade; Coríntios 6:9. Eu te acordo e quando você olha pra mim, eu sei… Você me ama um pouco menos. E eu me odeio – por pronunciar mal meu bom dia e gaguejar na sua frente. Sua mãe não ri das minhas piadas, mas sim do meu sotaque, de mim. Nossas famílias nunca estarão no mesmo lugar por muito tempo e vamos ter que fugir para amar com simplicidade, sem barreiras de linguagem, sem perigo e maldade.
Tão difícil perder partes de você que ficam presas nas entrelinhas da tradução. Tão difícil ter que se esconder. Queria viver nas suas palavras que não entendo completamente, mas finjo que sim, para não interromper sua linha de pensamentos. Essa barreira teimosa, que insiste em saborear o salgado das minhas lágrimas e dificultar nossos diálogos mais lindos, sempre vai existir de dia. Preconceito e violência estão grudados em todos os ponteiros do relógio, melando a areia da ampulheta. Tem vezes que estou muito cansada para sonhar e, mesmo assim, tento. Vou para o nosso lugar recluso com gosto de dor e saudade mas não encontro você por lá. E nós nunca conversamos.
Mas é hoje! Vou falar com você, chamar para tomar um café, quem sabe… nossas trocas de olhares, pupilas extrovertidas, por mais que normalmente acanhadas e o etéreo encontro de verde e castanho me dizem valer a pena. Matiz de sentimentos primeiro e só depois de tonalidades! Medo bobo. Não há nada errado com meu sotaque. Não tem nada errado em desejar. Tenho palavras e medo na ponta da língua, espero que um dia você me apresente para sua mãe. Espero que ela não se importe que sejamos as duas garotas, mulheres, do mesmo jeito que temo que você se importe.
Quero sentar do seu lado e descobrir que falamos a mesma língua. Que temos o mesmo sotaque. Me diga o que sente! Me conte sobre seu amor e como ele é parecido com o meu, quase idêntico. Grite tudo o que puder até a garganta doer e seus lábios ficarem secos e eu te digo que não nascemos errado, que está tudo bem e seu pai não sabe de nada. Te imploro, como implorei ao padre, esqueça as palavras amaldiçoadas do seu pai e foque-se nas minhas palavras, que rezam por mais amor no mundo. Eu grito como nosso amor é lindo e você me conforta, dizendo que minha mãe não sabe de nada.
Corro entre corredores cheios e anseio chegar até você e meu lugar, meu lugar vazio do seu lado. Vou correndo enquanto passo os dedos de relance pelas paredes texturizadas e amargas, refletindo inúmeras palavras de ódio de quem nunca vai amar. Penso no divórcio dos meus pais. Me delicio ao pensar no seu toque aveludado, entre corredores fantasmagóricos sinto o contraste do gosto que teu toque me provocará. Penso em como um dia já fui melhor amiga da minha mãe. Entro na sala e te procuro, procuro nosso lugar. Te procuro em tudo! Em todos! Não te encontro em nada e já passou quase um mês. Você mudou de rota? E eu nunca te beijei.
Medo bobo de viver! Mar de arrependimentos. Sou fantasma e aterrorizo meus sonhos. Assustei você também? Foi um mês doloroso. Atravessei todas as paredes desse edifício velho e corri pelos corredores de gosto ruim, mas só achei um lençol branco meio encardido. Recortei dois olhos e agora visto o lençol todos os dias, escondo minha vergonha e só vejo cinza, minha matiz está triste e amarelada. Transformei-me em pesadelo, por favor venha me encontrar! Venha me salvar de virar eterna assombração, venha me resgatar de mim mesma antes que este meu medo me consuma por inteira; meu corpo primeiro e depois todas minhas oportunidades, desejos, pecados e sonhos que acumulo na casa assombrada debaixo do meu travesseiro. Corra! Antes que este lençol roubado sob meu rosto, prova da paixão de antigos amantes proibidos e sonhadores, me tente sufocar.
Os rumores são verdadeiros. Fantasmas ganham vida durante a noite, passeiam entre sonhos e ruminam vidas descartadas que escolheram menosprezar aquela pinga de coragem-salvação. Conseguiram corromper quem sou e todo meu amor, meu próprio sotaque se encontra perdido. Se algum dia encontrar minha pronúncia estampada num papel branco, sujo do tempo e com letras robustas e vermelhas: “Desaparecido”, venha correndo meu amor! O tempo é agora. Encontre a fonte da juventude e salve as próximas gerações.
A casa que sempre sonhei para nós: colorida e recheada de memórias; sala iluminada pelas grandes janelas abertas que deixam entrar o aroma de calor e natureza; com vista para nosso quintal repleto de flores. Nossa casa existe, mas não vivemos nela. Me Encontro presa nas teias de aranha da casa assombrada do outro lado da rua. Estou imóvel, não sei quanto tempo passou, mas vejo um corpo sem vida e enrugado no chão. Tento não olhar muito porque suas feições são assustadoramente parecidas com as minhas, ou como as recordo. Passo os dias olhando pela janela e admirando a casa bonita. Quero passar meus últimos momentos imaginando uma vida feliz contigo na nossa casa. Sei que já não adianta lutar, quase não sobra alma para ir embora de tão desgastada. Machucada por crianças entrando na casa assombrada para procurar fantasmas, farta de ser entretenimento. Chegou minha hora!
Me sinto derreter, como sempre sonhei derreter em seus braços, quando duas moças entram na casa do diabo. É assim titulada pela vizinhança para que as crianças não entrem aqui sozinhas, o que francamente nunca funcionou. Vejo mais alguém, uma mulher não tão jovem com roupa corporativa. Aprendo o seu nome: Eva começa seu discurso por apontar como a casa pode vir a ser amável para uma família, com muitas reformas e paciência. A minha casa assombrada? Sempre lembrando que não tem preço melhor no mercado. Elas se entreolham e anunciam entusiasmadamente que vão ficar com a casa, a minha casa cheia de teias de medos! Elas se tocam timidamente e eu tenho certeza. Passo meus últimos minutos pensando em você e quanto foi bom desejar. Quando sou deixada sozinha novamente, descanso. Descanso porque sei que foste corajosa, sei que vou acordar com uma casa repleta de orgulho e amor debaixo do travesseiro. E eu nunca mais a vi.
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