No dia 31 de outubro, celebrou-se o Dia das Bruxas – ou o Halloween, como o preferirem chamar – e, para além de não poderem faltar gomas, chocolates e pipocas na minha ementa, também não podia faltar um bom filme de terror.
Como ávida consumidora deste género de cinema, julgo que, ao longo dos anos, já tenha consumido todos os filmes mainstream, pelo que me restam os apelidados de underground. De maneira a preparar-me para essa noite, agarrei-me ao Letterboxd - o meu melhor amigo durante a tarde em que me preocupei a selecionar filmes diferentes, únicos e aterradores. Foi o caso de May.
Estreado em 2002, dirigido por Lucky Mckee e estrelado por Angela Bettis, May conta-nos a história de uma jovem adulta solitária que trabalha como assistente veterinária numa clínica low-cost em Los Angeles. Vítima de bullying em criança por sofrer de ambliopia (“olho preguiçoso”, isto é, quando o cérebro tem dificuldade em processar informação vinda de ambos os olhos, favorecendo apenas um), May Canady acaba por crescer num meio-ambiente protetor, no qual a sua única amiga é uma boneca. Esta boneca, oferecida pela sua mãe e que se encontra fechada numa caixa protegida por um vidro, torna-se rapidamente a maior confidente de May e assiste ao seu crescimento, ajudando-a nos detalhes e peripécias da vida adulta. A partir desse momento, May sofre um processo de alienação, restringindo-se a colecionar bonecas e a observar a vida das várias pessoas que por ela passam. Nesse sentido, ela vive isolada no seu pequeno mundo interior, sem precisar de interagir com a sociedade.
No que toca à vida adulta da protagonista, esta não difere muito da sua infância. Ao longo do filme, vemos May incessantemente à procura de um ombro amigo. Com um certo gosto por anatomia humana, vê-se atraída pelas mãos de Adam (Jeremy Sisto), um jovem estudante de cinema que ela conhece nos seus passeios, e pelo pescoço de Polly (Anna Faris), a sua colega de trabalho. Esta atração leva May a dar o passo em frente e a estabelecer laços com estas pessoas, porém são em vão. Apesar de se submeter a alterações cosméticas na esperança de que a aceitem, ela é, tal como fora em criança, rejeitada pelos demais pela sua personalidade e identidade. Embora Adam e Polly digam «I like weird» (em português: «Eu gosto de estranho»), quando May os avisa da sua raridade enquanto pessoa, estes são rápidos em abandoná-la por ser demasiado estranha, até para eles. Aliás, o interesse por cenários grotescos, corpos humanos e amputação não é algo que cative qualquer um.
Com isto, May apercebe-se de que, efetivamente, a sua única melhor amiga será sempre a sua boneca. Sem a capacidade de falar, pensar ou agir, a boneca não a pode magoar, tal como todos os outros o fizeram. No entanto, praticamente já no clímax da narrativa, - e sem vos querer dar imensos spoilers -, a boneca de May parte-se, conduzindo-a à loucura. Agora, sem amigos e rejeitada por todos, a jovem rapariga fica decidida a encontrar – ou construir – o amigo perfeito, custando o que custar. Para a protagonista, a melhor forma de contornar a solidão está escondida no slogan do filme: “If you can’t have a friend, make one” (Se não consegues arranjar um amigo, constrói um).
No final, o filme adquire um twist inesperado à la Frankenstein de Mary Shelley e, nós, espectadores, vemo-nos agarrados do início ao fim a esta pérola desconhecida que é May. A atuação de Angela Bettis confere à personagem de May uma natureza doce e humana, mas macabra, fazendo-nos, por um lado, ganhar empatia por uma personagem que, talvez, não a mereça, e por outro lado, perder empatia por aqueles que a desprezaram. No que toca à atuação de Anna Faris e de Jeremy Sisto, estes papéis estão cobertos de elementos paródicos que conferem à melancolia de May e ao ambiente sinistro que paira no ar algum humor.
A meu ver, este filme não é somente um filme de terror de subgénero slasher (que envolve a morte aleatória de vários personagens por um assassino em série), mas é também uma longa-metragem que explora as consequências feias de uma sociedade apática, da solidão e da incompreensão humana, demonstrando como estes elementos têm um forte papel na criação da insanidade dentro de cada um de nós.
Posto isto, recomendo-vos verem May da próxima vez que estiverem aborrecidos, ou a procrastinar contra os trabalhos académicos pendentes, ou no próximo Dia das Bruxas.
Por Sofia Lopes
Editado por Rita Magalhães
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