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À Tua Porta

Maia Aguiar

Edição: Ricardo Cerdeira

Estou aqui parada à tua porta.

A mesma porta que abriste quando te vim buscar para o nosso primeiro encontro. Tínhamos combinado ir ao cinema e eu ansiava desesperadamente por te ver. Lembro-me de achar a porta da tua casa a mais bonita da rua. Aos olhos de qualquer um, poderia não ser nada de especial. A madeira já estava meio gasta, provavelmente de todas as tardes em que o sol lá batia, mas nunca conseguia entrar. Mas mesmo assim, conseguiu deixar-me enamorada.

Confessaste-me que sempre foste bastante relutante quanto a ter visitas em casa.

– Tenho medo que julguem a minha decoração. Metade disto foi herdado da minha avó – , disseste, rindo, apesar de ter sentido uma pontinha de vergonha na tua voz.

Isto tudo depois do Dune, filme este que nunca despertou o meu interesse, mas a que dei uma oportunidade porque adoravas ficção científica.

– Não penses assim. Pensa que tens artefactos vintage – respondi-te, sorrindo, na tentativa de te fazer sentir melhor. Até hoje não sei se resultou, mas ao menos passaste a abrir as cortinas (que também eram herdadas) mais vezes.

Apreciei ainda mais os detalhes da porta quando a pintamos, na semana depois de me convidares para viver contigo, quase um ano depois do nosso primeiro encontro.

– O que achas de azul? - perguntaste-me.

– É uma cor um bocado chocha.

– «Chocha»? Como assim «chocha»?

– É uma cor assim meia tristonha, sei lá. Nunca gostei muito dela.

– Sim, percebo – não me pareceste muito convencido. – O que sugeres, então?

– Algo assim em tons de verde ficaria mesmo bem.

E ficou perfeito. Pouco tempo depois dessa conversa, arranjamos um verde esmeralda bastante lindo. Aquele tom estava em completa harmonia com o dourado que se agarrava à maçaneta e ao olho mágico.

Foi o verde esmeralda que passou a receber-nos depois de todos os nossos passeios à Avenida da Liberdade, dos jantares (por vezes demasiado caros, mas que adorávamos porque nunca nos deixavam loiça para lavar), das contínuas idas ao cinema, que se tornaram uma tradição, e dos almoços familiares chatos. O mesmo verde esmeralda que nos dava as boas-vindas também marcava o início da nossa troca de sorrisos que te levava a roubar-me um beijo ou outro, enquanto descalçava os dolorosos saltos que adoravas. Foram muitas as vezes em que sacrifiquei os meus dedos para receber um «Nunca te vi tão linda» da tua parte. Mas valeram a pena. Olhava para as minhas feridas com carinho porque cada uma delas me lembrava de ti.

Esta é a porta que eu abri com a chave que me deste, todos os dias depois do meu trabalho. Assim que subia os três degraus e dava de caras com o verde, ficava sempre um pouco mais feliz: sentia que esta era a cor da nossa casa e do nosso amor. Dizem por aí que é a cor da esperança. Lembrava-me dela como a esperança de te ver depois de um dia de reuniões chatas; a esperança de me confortares quando estava insegura sobre o meu futuro; a esperança de que o teu beijo me curasse todos os males e a esperança de que o nosso amor durasse para sempre.

– Gostas de esmeraldas?

– Tu gostas?

– Eu adoro. Sempre foi a minha pedra favorita.

– Então também é a minha favorita – disseste-me enquanto me acariciavas o cabelo.

Não me lembro se te contei, mas a esmeralda é ainda uma das jóias mais raras do mundo. Ligava essa raridade ao nosso amor. Ao romance tão íntimo que proporcionaste. Àquela relação com que sonhava desde os 16, evidentemente influenciada pelas comédias românticas que maratonava depois das aulas. Tu fizeste isso acontecer com o simples gesto de me abrires a porta.

Estou aqui parada à tua porta.

A mesma porta que encarei quando a fechaste durante uma discussão parva. Até hoje não percebo o que despertou aquela tua indiferença. Não sei. Não me lembro de nada, senão o medo de te perder que senti, enquanto me desprezavas no corredor entre a sala e a cozinha. Como poderia algo tão íntimo desaparecer assim? Apenas guardo comigo os «Isto já passa» que fui interiorizando, à medida que as lágrimas me escorriam dos olhos. Não sei. Provavelmente perdeste o interesse ou desapaixonaste-te e simplesmente não sabias lidar com isso. Será que achavas que seria passageiro? Será que eu fiz algo errado? Não sei mesmo.

Estou aqui parada à tua porta.

Dois meses depois desse nosso desentendimento, tivemos a pior das nossas discussões, fruto de um episódio de ciúmes. Há semanas que te sentia distante e tinha as minhas desconfianças. Quando te falei delas, exaltaste-te e saíste de casa. Nunca na minha vida me senti tão mal por ter partilhado os meus receios. «Deveria ter guardado isto para mim?» pensei, à porta de casa, com o meu olhar pousado em ti. «Será isto passageiro?» passou-me pela mente, ao mesmo tempo em que reparei numa racha por cima da maçaneta.

Estou aqui parada à tua porta.

Perante os meus olhos, já não vejo nenhum verde esmeralda, mas um azul índigo tão escuro que mal reflete a luz dos candeeiros aqui da rua. Enquanto numa mão seguro a caixa com os meus últimos pertences, a outra toca na racha que nunca conseguiste tapar. Mesmo depois de todos os meus esforços, o meu amor não te foi suficiente. Ainda tenho umas marcas nos calcanhares e sempre que passo pelo cinema, penso em ti. Nunca me habituarei ao calor do teu espaço. Deixaste-me feridas que me acompanharão ao longo da vida e que dificilmente cicatrizarão.

Estou aqui, parada à tua porta. Pergunto-me se um dia ela realmente também foi minha.


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